DIANTE DA MINHA JANELA
Ontem, parada diante da minha janela, entretida com o nada, eu me perdia (ou me encontrava) enquanto olhava a vida passar.
De repente uma cena interessante, chamou minha atenção: Rabinos com idumentária inconfundível, oravam em frente ao East River. A tarde começava a cair, e poderia ser uma cena comum, já que todos os dias, nesse horário, muitos judeus, vem a beira do rio, fazer suas orações. Mas, ontem, era diferente. Eles haviam trazido em ônibus escolares, aqueles de cor amarela, dezenas de crianças, todas vestiam seus quibás, e repetiam os gestos feito pelos rabinos, com muito interesse e respeito.
As crianças se mostravam compenetradas na ação. E isso deixou-me encantada.
Porém, a cena, não me causou admiração. Hoje, conheço um pouco a cultura judaica, e posso perceber o quanto, esse povo se empenha em cultivar nas crianças as suas tradições.
Tenho um genro judeu, e sou convidada por sua família para os jantares comemorativos do Rosh Hashanah, da Pessach, ou para os Shabat, que acontecem todas as noites de sexta-feira.
Nessas ocasiões, o que mais gosto, é ver o encontro de crianças, jovens, adultos e idosos, em volta de imensas mesas, todos muito participativos e alegres.
Momentos antes de ser servido o jantar, as tradições são feitas com a partipação de todos, desde a criança ao idoso.
As orações, mesmo sendo no idioma hebraico, não me impedem de sentir, as bençãos, que se derramam sobre todos que ali estão.
Parada em frente a minha janela, olhando aquela demostração de fé de um povo, lembrei-me, de uma tia avó de meu genro. Ela morreu no ano passado, já bem idosa.
Eu gostava muito de sentar-me ao lado dela nos jantares comemorativos. Pois, a riqueza que havia em suas histórias, daria um belo livro, ou quem sabe muitos livros.
Ela veio refugiada da Polônia. Onde, ela e seus familiares sofreram coisas inimagináveis, a quem não conheceu o terror da guerra.
Antes de chegar ao Brasil, morou em Paris. Era uma pessoa de vasta cultura, poliglota, e conhecedora da história nos livros e algumas na prática.
Uma pessoa, com quem se aprende tanto, de um valor interior sem fim.
Tinha tanto para contar, pois muito viveu.
Me lembro que, certa ocasião, perguntei a ela, o que guardou de toda a loucura que foi a segunda grande guerra, e ouvi a seguinte resposta:
"O que mais aprendi foi o valor do perdão. Se não perdoasse, me igualaria ao idealizador da guerra. Perdoei, e segui em frente. Guardo na memória o último olhar de amor do meu pai, minha mãe, e meu irmão, ao entrarem no vagão do trem, que os levariam a morte nas câmeras de gás. Com a imensa dor da perda de todo meu núcleo familiar, aprendi que na vida cada um dá o que tem. Meu pai e minha mãe, tinham amor, generosidade, honra, e foi com esses valores aprendidos com eles, que perdoei e segui em frente. Disposta a contar para o maior número de pessoas as atrocidades que vi, e vivi. Não, para me fazer de vítima, pois, assim não me sinto, tudo que passei me fortaleceu, mas, para não deixar cair no esquecimento, e quem sabe, semear o valor da paz em cada mente e coração".
Guardo com muito carinho a figura dessa mulher forte como uma rocha, ao mesmo tempo que suave feito uma rosa.
Me lembrei muito dela, ao ver a cena, ali às margens do grande rio, e percebi o quanto as tradições são importantes para esse povo que sobreviveu ao Holocausto, e permanece unido e cheio de fé.
Observei, as crianças, junto a natureza, alimentar a esperança e a fé em suas crenças. E a respeitar a sabedoria dos mais velhos.
Pensei comigo mesmo: um olhar mais demorado em uma cena vista de minha janela, quantas recordações e aprendizado podem render.
(Imagem: Lenapena- East River)