O BARALHO
 
O BARALHO




Como são inesperadas certas coisas, inesperadamente emblemáticas. Chegou o entregador dos remédios da Pacheco e, entre as caixas de medicamentos apareceram três delas diferentes e sem nada escrito definindo o que seria. O entregador também não sabia dizer nada.

Paguei e o despachei com a curiosidade ligada nos três pacotinhos. Ávida, peguei um deles e abri a caixa e era apenas um baralho.

Sentei-me á mesa e comecei a jogar uma paciência, as cartas novinhas escorrendo sobre a mesa. E um sentimento não definido de felicidade ou de extrema tristeza começou a tomar conta de mim enquanto dispunha as cartas em formato de paciência.

Quê, meu Deus está me acontecendo? Uma emoção maior que o devido está crescendo dentro de mim! Seria alegria de outros tempos em que a família jogava cartas e se divertia tanto? Saudade? O meu pai alegre brincando coisas, os irmãos à volta da mesa grande interagindo...

Mas não... Não, o sentimento é de tristeza profunda, daquelas que dói por dentro da carne. Nossa, que está acontecendo comigo? Que me significa este baralho? E em fartura de três, ainda tem dois não abertos!

Como é esquisito sentir uma emoção não sabida de alegria ou tristeza, quê isso? Meu Deus, meu Deus, não sei mais me definir, quê isso?

Parei. Detí-me diante do desconhecido sentimento perturbador.

Fui serenando. E uma luz foi chegando, aclarando e acalmando: meu Deus é a familiaridade de ter contato com os meus próprios caracteres! Eu sou artista plástica, ou fui. Meu modo de comunicação é pela Arte. E resolvi escrever, até fazer um livro, e tive que me adaptar aos caracteres atuais de escrever. E eu ganhei dos meus colegas da Leopoldina uma caneta Parker de ouro com meu nome escrito até.

Toda minha essência foi construída em caracteres delicados e pessoais, em que cada coisa tinha muito significado pessoal!

O esforço em escrever no Word do computador, e ler e comunicar em sinais americanos empobrecidos das pessoas da atualidade, que conhecem poucas palavras e ainda as abrevia para “ganhar tempo”, tempo de quê?

Quanto esforço em me comunicar com esse tipo de gente! Mal usam os movimentos de dedos e mãos! Nem papel e caligrafia sabem mais o que é. Quantas coisas deixaram de saber e de experenciar! Empobreceram tanto, e eu correndo atrás tentando dialogar!

Não sei o que pensar.

Talvez não seja na internet escrever o meu lugar