Um velho advogado: Sobral Pinto

Heráclito Fontoura Sobral Pinto talvez tenha sido o maior advogado brasileiro, superando mesmo o próprio Rui Barbosa.

Na época do regime militar, defendeu muitos acusados de subversão. Tive o prazer de cumprimentá-lo na Primeira Auditoria do Exército, lá pelas bandas da Praça da República.

Homem sério, advogado brilhante, orador com a voz fraca em virtude da idade, mas nem por isso embaçada pela falta do brilho, Sobral era católico fervoroso, que comungava todos os dias na primeira missa que era rezada perto da sua casa.

Certa ocasião, um oficial-general teve a infelicidade de chamá-lo “comunista”, tal o número que ele defendia. Resposta imediata do mestre:

— Comunista é a puta que o pariu.

Não foi preso nem processado. Ficou por isto mesmo, comprovando o ditado que o povo gosta de usar: “quem fala o que quer, escuta o que não quer”. Mais. Sobral era extremamente educado e o palavrão não fazia parte da sua fala diária.

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Mais uma de Sobral

Durante o regime militar, Sobral foi 'preso' algumas vezes.

Digo 'preso', mas a palavra certa é constrangido pelos militares a dar um depoimento, coisa que o valha. Contra ele mesmo, nada.

Muito bem. Depois de ter sido carregado à força, de pijama, para prestar um destes depoimentos, quando o fato surgiu nas manchetes foi um escândalo. O velho jurista tinha mais de setenta anos, e era o maior advogado do Brasil.

O presidente era Costa e Silva. Queria ter uma conversa particular com Sobral Pinto.

Escolheram um coronel do Exército, homem esclarecido e educado para cumprir a missão.

Tocaram a campainha. Sobral demorou um pouco. Tocaram outra vez. E lá apareceu, com um livro na mão e de pijama, o advogado famoso.

— Doutor Sobral, o presidente quer falar com o senhor.

— Presidente? Que presidente?

— O general Costa e Silva.

— Não tenho nenhum assunto a tratar com ele. Não vou.

— Mas doutor, é o presidente da República!

— Já disse que não vou. Só se for preso.

O coronel era realmente educado, escolheram o homem certo. Sobral aceitava um diálogo, mas conversa mesmo. Imposição, nunca. Sabedor disso, o coronel ponderou com o mestre.

— Doutor, não me obrigue, por favor, a usar a força. Não é o meu feitio. Iria me sentir muito mal carregando o senhor de pijama, faça a gentileza de me acompanhar. Estou cumprindo ordens. Não estou prendendo nem intimando o senhor, só quero que me acompanhe.

— Ah! Então mudou. Com licença, vou vestir-me. Mas não vou a Brasília não!

— O presidente está no Palácio Guanabara. E traremos o senhor de volta para casa.

Sobral foi. O assunto tratado entre ele e Costa e Silva está guardado em dois túmulos.

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Outra do mestre Sobral

No famoso comício da Cinelândia, pelas “Diretas Já”, o palanque estava formado pela nata da sociedade brasileira. O comandante era Ulysses Guimarães, Deputado Federal que esteve sempre à frente do movimento.

Discursaram muitos famosos. A praça estava superlotada. O último a se pronunciar foi o velho advogado Sobral Pinto, já com voz bastante envelhecida, mas nem por isso fraca ou não convincente.

Terminou citando artigo máximo da antiga Constituição Brasileira:

— "Todo o poder emana do povo, e em seu nome será exercido."

Quem passa até hoje na Cinelândia, se prestar atenção, escuta as palmas que o tempo conserva.