Fim de Mundo!
Fim de Mundo.
Era uma estrada boiadera; seis léguas, começando no terreiro da Fazenda Vista Linda estendendo-se pelas veredas até se acabar nas barrancas do rio Ventura. Ao longo da estrada, pequenas fazendas, razão de um grande numero de porteiras e mata-burros. Algumas, cercadas com moirões e arame farpado, outras cercadas com cercas vivas feitas de Gravatá ou Graveto-do-cão; não são proprietários ricos em função das grandes secas que castigam o sertão, e a falta de água é castigo dobrado, mas não merecido para essa gente pobre que vive nessas veredas. Mas o sertanejo é acima de tudo um forte; enfrenta a seca, passa fome, vira retirante, mas sempre retorna para sua gente trazendo alento, e o pouco do que ganhou no retiro, divide com as muitas bocas que ficaram; ai, o recurso acaba a seca volta, e se lá vai ele de novo em busca de sustento por que a vida continua.
Eu nasci e me criei aqui, vendo meu pai sofrendo de pago em pago para nos sustentar; eu era o mais velho da casa, e tinha que ficar para cuidar de nossa mãe, dos meus irmãos, e dos poucos animais que ainda tínhamos; estudo? Aqui nesse fim de mundo nunca teve uma escola; todos nós ainda somos analfabetos de pai e mãe, mal sei contar até dez, e também aprendi a conhecer dinheiro. Dinheiro é coisa difícil por aqui; de vez em quando aparece uma boiada, pouca coisa, mas os vaqueiros sempre tem dinheiro em seus alforjes, e pagam pra gente abrir as cancelas. Uma moeda quase sem valia, mas ajuntando-se a outras tantas dentro da cuia de cabaça, dá pra comprar um pão ou uma bolacha na venda de mestre Olegário. Muitos vizinhos, uns mais perto outros mais distante e a gente acaba se encontrando ao longo da estrada no vai e vem dos jumentos em busca de água, ou nos finais de semana na feira do arraial.
Todos aqui tem um causo pra contar; uns contam das andanças que fez quando estavam no retiro, outros, e nesse caso os mais velhos, contam historias interessantes dos tempos mais antigos. Posso contar na ponta dos dedos os vizinhos que conheço por aqui; mestre Olegário é o dono da venda sempre sortida de muita coisa que a gente gostava de comer mas nem sempre podíamos comprar; ficava a um quilometro de nossa casa do lado direito de quem ia na estrada boiadeira no sentido das barrancas do rio Ventura. Rio Ventura pra quem não conhece não é um rio; só enche quando chove, mas tem vida no seu leito arenoso e seco; e tem água também; é só cavar em seu leito arenoso e aparentemente seco, e a água começa a brotar. Nesse fim de mundo todo mundo conhece todo mundo, e é uma parentaiada danada que é muito difícil não esbarrar com um tio ou um primo aqui e acolá. Nesses encontros sempre tem um dedo de prosa. O jumento com quatro corotes no lombo sabe o caminho de ida e de volta; ele não para pra ouvir a prosa, e a gente acaba correndo depois pra alcança-lo. O cenário desse quadro, é cor de cinza; se tem verde? Tem sim! Os pés de Umbu salteados na vereda, os Mandacarus e os pés de Palma que ainda resistem à seca.
É assim, ano após ano a seca nos castiga; mata nossa gente com doença matadeira, e nossos animais de fome e sede.
O mundo inteiro sabe disso, os nossos políticos sabem disso, e o que eles fazem por nós??????????????? Use a sua imaginação.