“Perdeu moça!"
Camila fechou o apartamento, desceu sete andares pelas escadas. No térreo cumprimentou o zelador que cochilava sentado dentro da guarita, e depois caminhou pela calçada até o ponto de ônibus mais próximo.
Não tinha ninguém lá.
Pegou o primeiro o ônibus que passou. Pagou a passagem, rodou a catraca, e caminhou até um assento. Sentou-se perto da janela. Por poucos segundos, procurou uma posição confortável, enfim aconchegou-se.
Cruzou as pernas, e encostou a cabeça no vidro da janela, entre aberto. E teve vontade de acender um cigarro.
Camila se sentiu uma gota no oceano. A vida fora do ônibus era inquieta. Mas a vida dela também estava inquieta.
Os seus ossos rangiam, as mãos estavam trêmulas. Ela não chorou no apartamento, não chorou nas escadas, não chorou na calçada e nem no ponto de ônibus. Mas olhando a vida pela janela do ônibus, ela chorou.
Camila se sentia triste por tudo aquilo que ela não foi, e por tudo aquilo que ela deixou passar. Chorou por ter tropeçado em todas as pedras.
Lembrou que estava no ônibus, quando a catraca denunciou com um ruído, que estava sendo rodada.
Homem baixo, magro, mal encarado, vestindo casaco jeans, não muito novo. Calça jeans velha, desbotada, uma bota preta. Camila teve receio. Em seguida acalmou-se.
Já haviam se passado cinco paradas. Camila lembrou que ali perto ficava o Boteco do Arthur. Acionou a parada. Desceu. Percebeu que o homem baixo, magro e mal encarado do ônibus, também desceu e andava na mesma direção que ela.
Camila não se importou, “catou” o cigarro na bolsa, achou. Pegou o isqueiro no bolso esquerdo, enquanto acendia o crivo, o homem baixo, magro e mal encarado a surpreendeu.
“Perdeu moça! Passa tudo!” Levava um objeto na mão direita, que não exibiu de imediato.
Camila achou de cara, que fosse algo cortante. Olhou para ele, deu um trago.
“Moço, eu sei que eu perdi. Mas eu não sei como eu perdi. Aquela vida, que era minha passou por mim, e eu nem a vivi. Eu já perdi amores, emprego, perdi o chão, e vou perder meu apartamento em três meses. Eu até acho que eu já me perdi.”
O homem baixo, magro e mal encarado, teve pena de Camila. “É isso, me perdi completamente. Aqui não tem muito, ou melhor, não tem nada. Eu estou vazia. E na bolsa, tem cigarros e documentos, pode levar se quiser.”
Disse ela levando a bolsa em direção ao homem.
Confuso, o homem baixo, magro e mal encarado, deu passos para trás, num gesto de recusa da bolsa, virou de costas pra Camila, pôs as mãos de volta no bolso, e atravessou a rua.
Camila, tragou , ajustou a bolsa em seu ombro, e com passos firmes, caminhou até o boteco. Camila, já não chorava mais.
Patricia Naia