O avesso
Um dia desses de semana eu ia subindo a rua segurando duas sacolas de supermercado, uma em cada mão, pesadas o suficiente para me fazer andar devagar.
Na mesma calçada descia um rapaz moreno, tinha o cabelo estilo moicano, mas mais moderno, na verdade, era um estilo calopsita, ele usava uma camisa sem mangas, justa o suficiente para deixar claro que estava em dia com a academia e o whey protein.
Na outra calçada subiam duas meninas com uniforme de escola, tinham postura de 3º ano. Não sei descrevê-las, uniformes deixam todos iguais (bem, a idéia é essa). Mas eram meninas, tenho certeza, e eram do 3º ano, tenho certeza também.
Quando uma das meninas viu o rapaz disse:
- Uau, lindo você, hein? Tem telefone?
O rapaz, sem olhar para a menina, segurou o ar no peito, arregalou os olhos e apertou o passo.
- Ué? O gato comeu sua língua? Venha aqui, eu não mordo não.
O rapaz cerrou os punhos e apertou ainda mais o passo.
- Não gosta de mulher? Eu faço você gostar!
O rapaz fixou os olhos na esquina que ainda estava longe, punhos cerrados, lábios contraídos.
A outra menina disse:
- Sossega! Olha a moça subindo, vai que é namorada dele.
- E daí? Eu não me importo. Quem manda namorar homem bonito? Tem que aguentar!
O rapaz passou por mim já trotando e finalmente alcançou a esquina, soltou o ar que prendia nos pulmões, soltou as mãos, estava a salvo de ser violentado por aquela garota, ali naquela rua, em plena luz da tarde.
A menina parou no meio da rua:
- Ih! Olha lá! Foi embora! O que eu fiz de errado?
E eu com a chave no portão, pensei:
- Nada.