NEVERS. DESTINO.

Estamos em Nevers, eu e minha mulher, sentados no banco de uma pequena pracinha próximo `a estação onde passaria o TGV de volta. Penso na vida pacata dos habitantes daquele lugar, tão distante de minha vida.

Nas ruas que levam ao centro da pequena “village”, cidade pequena, reina absoluta calma. É domingo, poucas pessoas caminham, quase somos os únicos. Interessante esta calmaria que traz noção de uma cidade desabitada. Quando chegamos procuramos o local onde queríamos ver o corpo incorrupto de Bernadete de Soubirus, íntegro e belo, a menina para quem apareceu em Lourdes, Nossa Senhora de Lourdes, no sul da França, onde estive em outra oportunidade. Morreu em Nevers no convento, Bernadete, onde serviu até trinta e seis anos. Muito bonita, mas miúda, esse o termo, rosto perfeito, repousa em capela no próprio convento, em urna de vidro visível inteiramente o corpo à visitação. É possível ver o corpo na internet, colocando-se "Bernadete de Soubirus, Corpo Incorrupto". É tanta a procura que na estação ao chegar, indagando onde ficava o local, a senhora levantou um mapa escrito em inglês com a sinalização das ruas. Não necessitava condução, disse ela, podia-se ir andando. O que fizemos em seguida, atravessando aquele deserto de gente, quase ninguém, vento frio e cortante, mas mesmo assim o bucolismo se desprendia de muros pela vegetação escalados, enfim história que falava em silêncio. Saciada nossa vontade vendo a privilegiada Santa em seu sono eterno com a serenidade facial dada aos puros, fomos ao almoço.

Um centro de comércio praticamente todo fechado com um único restaurante aberto para onde se dirigem os residentes aos domingos que querem comer fora e outras pessoas como eu e minha mulher, estranhos no sítio.

Muito bem recebidos no simpático restaurante sentamos e pedimos o que comemos, com o lógico “Bordeaux rouge”. Estamos na célebre região dos mais festejados vinhos “chateaux” da França, a equilibrada mistura das uvas cabernet sauvignon, pouco, com a cabernet franc, em maior quantidade, e mais merlot aditada, perfeita “assemblage”. Não se come mal em nenhum lugar na França. Em lugares mais interiorizados a comida tem sabor ainda mais sofisticado, os insumos são mais autênticos, não viajam para as grandes cidades. Em mesa ao nosso lado entra e senta um cidadão aparentando uns sessenta anos com indumentária de motociclista e carregando na mão capacete. Muito simpático cumprimentou. Vi que chegou em uma BMW, moto que se via da vitrine do restaurante onde estávamos sentados. Um frio intenso, perguntei como aguentava apesar de fortemente agasalhado, disse que vinha de duas horas de viagem por estradas vicinais passeando e ia para Paris. Viciado em motos falei sobre nosso gosto e em quanto tempo fazia até Paris, disse eu que o TGV fazia em duas horas, respondendo ele que pela “autoroute” faria em três a quatro de moto, mas ia passeando. Fiquei com inveja. Acabado o almoço fomos esperar o trem que nos levou de volta. Já nele via passar as pequenas “villages” com suas casas estilo normando, telhados em aclive por força de geadas e neve, chaminés e muita paz. Imaginei, como sempre faço, como seria viver em um local como aquele, distante do rebuliço das grandes cidades. O que o destino quer para a gente ninguém remove, podia estar envelhecendo em locais próximos a Positano ou Maratea, se no fim do século dezenove meu avô não pegasse o navio em Nápoles, o mesmo que ocorreria com minha mulher, cujo avó nasceu a quinze quilômetros do meu e viemos nos encontrar e casar em Niterói. E ela pergunta sempre, apaixonada por dança que é, a razão de seu avô não ir para Nova Iorque, cidade que não suporto, mas onde a dança é expoente, e o bairro italiano “little italy” mostra a grande imigração italiana que lá se assentou. O destino é estranho, Niterói foi nosso porto seguro, onde as horas do tempo marcaram para que houvesse nosso encontro.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 18/09/2013
Reeditado em 19/09/2013
Código do texto: T4487932
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