Calça de Veludo ou Bunda de Fora
Durante pronunciamento na Assembleia Legislativa, no último 17/09/2013, o deputado Sargento Amauri Soares lembrou a vida do capitão Carlos Lamarca, desaparecido há 42 anos.
Lamarca foi um dos mais marcantes opositores ao regime militar implantado no Brasil a partir de 1964. Aderiu às ideias socialistas, segundo o deputado, quando do seu retorno da região de Gaza, na Palestina, como integrante do Batalhão Suez, nas Forças de Paz da ONU. Lá “viu crianças morrendo de fome e diarreia” sem que nada pudesse ser feito para que isso fosse evitado. “Deixou então, em 1969, as Forças Armadas para entrar na clandestinidade e lutar na guerrilha contra o regime militar”, tendo sido “morto na Bahia, em 17/09/1971, pelo mesmo Exército do qual fizera parte”.
É evidente que o nome Lamarca pode não ter aprovação por parte de brasileiros que nada conseguem ver de heroico na vida desse grande soldado. São opiniões que devem ser respeitadas, mas que não precisam ser compartilhadas. Pelo menos pelos que, como nós, consideramos como heróis todos aqueles que se insurgiram contra o regime responsável pelas páginas mais obscuras da vida brasileira. Muitos assassinados pela ditadura, cujos corpos jamais foram encontrados, e outros vítimas dela, mas que ainda estão vivos.
Apenas para efeito de raciocínio, se Lamarca fosse vivo e tivesse tido algum envolvimento comprovado nesse desvio de R$ 400 milhões que se procura apurar no Ministério do Trabalho, ficaria muito difícil para nós continuarmos a considerá-lo um herói. A figura dele estaria muito mais próxima da de um traidor do povo brasileiro. O que à época não poderíamos admitir. E nem agora, pelo fato de que ele já não está mais entre nós.
É simplesmente essa a questão que a sociedade cobra das autoridades do judiciário no que diz respeito à Ação Penal 470 – o Mensalão.
O processo em referência consta de 60 mil páginas, sendo 8 mil apenas destinadas à decisão. Pressupõe-se que os réus envolvidos e condenados tenham tido amplo direito de defesa, ou não se teria chegado a esse acúmulo de páginas do processo. Processo que mobilizou a atenção do país, dada à peculiaridade dos réus protagonistas, alguns pertencentes a altos escalões do governo e com tradição na luta contra o pérfido regime militar instaurado em 64.
Tais cidadãos, uma vez estabelecida de forma nítida a sua culpabilidade, não podem mais contar com o sentimento de heroicidade a eles atribuído pela nação em função da luta no passado contra a opressão do povo brasileiro. Não deveriam contar também com os instrumentos – os embargos infringentes – destinados a procrastinar uma decisão que precisou de 8 mil páginas para se achar fundamentada. E que se consubstancia numa ampliação de um direito de defesa já inquestionavelmente exercido.
Entender que o governo federal possa estar exercendo pressões junto ao STF no sentido da aceitação dos embargos infringentes, parece-nos sintoma de um indesejável corporativismo. Tanto indesejável quanto oriundo da chefia maior do país. Que não deveria compactuar com atitudes nocivas e prejudiciais à vida da nação, viessem de onde viessem, sobretudo do seio do partido político do próprio governo.
Isso se se pretende a construção de um país independente e soberano:
voltado para o aprimoramento dos ideais democráticos;
que não admita práticas de corrupção, não só na vida pública como em qualquer instância, especialmente no seio do próprio governo; e
capaz de oferecer aos brasileiros e ao mundo exemplos de uma democracia que não se constitua num “faz-de-conta”, favorecendo-nos a pouca respeitabilidade e confiabilidade de outras nações.
No fundo, no fundo, parece-nos que é isso o que espera a sociedade brasileira em relação ao Mensalão. Não sabemos se é a maior parte ou a menor. Porque sempre teremos os fortemente arraigados por paixões que os impedirão de se dar ao trabalho de separar o “joio do trigo”.
Rio, 18/09/2013
Aluizio Rezende