Qualquer queda de água do céu

Chamam de precipitação a qualquer queda de água do céu, mas acho isso um exagero. Estava realmente na hora de voltar a chover – não foi, pois, nada precipitado. Bem abrigado em um ônibus, olho pela janela e percebo movimentos desesperados de fuga. Todos correm, pois ninguém admite se molhar. Os toldos sofrem com a superlotação. Hoje todo mundo vai se atrasar. Inclusive nós, que estamos sãos e secos dentro de um veículo, mas enfrentando os habituais congestionamentos dos dias molhados. Irônico, o rádio resolve tocar “Tudo está parado”, a nova do Humberto Gessinger. Em breve ouviremos notícias de acidentes de trânsito, quedas de árvores, interrupção de energia elétrica. Não estamos preparados para sediar eventos como a chuva.

Enquanto isso, pessoas vindas das chuvas começam a subir no ônibus, invadindo o nosso mundo seco, trazendo respingos lá de fora. Uma moça nessas condições senta-se à minha frente. Trazia guarda-chuva, donde concluo ser bastante precavida, pois a chuva de hoje só não pegou desprevenido o pessoal da meteorologia. Pois sentou-se e começou um longo ritual em busca do conforto. Primeiro botou um fone de ouvido, ligado ao celular. Depois tirou da bolsa uma espécie de gorro. Demorou até encontrar a posição ideal do gorro em sua cabeça. Jogou todo o cabelo para dentro dele. Deixou que cobrisse inclusive seus olhos. Mas ainda não estava confortável e ela então deixou-se afundar um pouco mais em seu banco, os pés apoiados no da frente. Agora era a posição do guarda-chuva em seu colo que a incomodava. Colocou-o de lado. De repente, o problema era os brincos. Usava uns brincos grandes. Tirou os brincos e os botou na bolsa. Como era difícil relaxar! Finalmente aquietou-se e encostou suavemente a cabeça na janela. Lá fora a chuva forte, e aqui dentro ela, desinteressada de tudo, esquecida do mundo.

E estava tão bonita que por um momento eu tive inveja da chuva, que um pouco antes havia se precipitado sobre ela.