Ali, a Lee

Ali, a Lee

Oitenta pratas. Preço alto pra uma calça, mas era a Lee, leegítima. Importada.

Denim, que por sua vez já era originalmente uma importação do 'de Nîmes'.

Peguei, experimentei, paguei. E pra casa a levei, leve, que quase levitei. Mas

agora, sim, só dar uma barrinha e ostentar aquela proeza minha, eu que ainda nem

cintura ou bunda mole tinha.

E era hora, afinal de exibir meu cabedal: universitário, já no segundo ano,

professor, ainda que de periferia, por quê raios, meus dotes não exibia? E ademais,

todo mundo que se prezasse tinha uma calça Lee.

Porisso, ou por isso?, foi que ninguém notou quando me apresentei na sala de aula,

nos corredores plutôt, com aquele petrecho, tan bien hecho.

Ninguém, mas com um porém: salvo o Geraldo, um amigo da família, de longa

data, empregado da Mannesmann na cidade industrial, a quem a notícia de minha

aquisição chegou - possivelmente de minha própria língua, essa íngua, que vivia

dando nos dentes e contando pramigos e parentes. O Geraldo, que já vinha

descambando pra salvação evangélica, achou aquilo um absurdo e manifestou

aos quatro ventos, seu desagrado com uma compra cara daquele jeito. {O salário

mínimo andava pelos duzentos contos.} E em vituperação mais profunda: tão cara

pra tapar uma bunda!

Não falou comigo, no entanto. Quiçá não quis me constranger e a amizade não

queria perder. Mas se me tivesse sugerido um sucedâneo nacional, mais em conta,

a Topeka, por exemplo, eu lhe teria respondido: ah mas é com a Topeka que tu

peca. Mas neca. Fomos todos salvos.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/09/2013
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