A minha cidade
E essas ruas tão como antes, tão inquietas – mas estanques. Guardam em si o que não sei que houve, mas elas ouvem. E falam. Numa linguagem diferente. Lenta mas urgente. Porque a elas não cabe apenas guardar o passado em lugar seguro. Precisam também preservar-se... ter futuro...
Em cada rua, cada quadra, cada casa, um pouco dos aqui ali passaram e os que seguem a cumprir o seu destino. Sem pressa, sem ansiedade.... No instante e no lugar para se viver. Quem sobrevive é ela, a cidade. Com as marcas, alegrias e a saudade – num até breve, até mais ou mais não ver.
Quantos sonhos, quantas alegrias... quantas desilusões... quanta vida... Lembranças que guardo e vez por outra ressurgem, falando tanto disso tudo... A infância que parecia longe vem novamente me cumprimentar. Faltava apenas um clic na memória, um estalar... e isso se dá quando visito onde andei em tempos que os meus passos eram ainda curtos e que mãos adultas me indicavam o caminho. E eu queria correr, pelo menos até a esquina... e nela, parado, observava os horizontes a seguir. Tudo tão novo, adiante havia o futuro...
Mais tarde, naquelas mesmas esquinas, olhava a todos os rumos na busca de encontrar agora o passado...
É verdade, não havia os calçadões... aquele edifício não estava ali... mas à beira daquela calçada sentava com amigos a conversar sobre coisas simples, que tinham outra importância a nós...
Ali esperávamos o ônibus, de uma linha que já nem existe mais... e agora repetimos a viagem – relembrando toda a paisagem.
Ah, as noites da minha cidade... surgiam como complemento mesmo ao entardecer em que a pressa do dia, das ruas movimentadas, das praças com muitas crianças a correr e a brincar, dava lugar àquele aconchego, àquela energia e ao silenciar-se que só ela – a minha cidade – tem.
À noite, aquele burburinho, barulho silencioso, ao longe o tilintar de copos e os risos da juventude, que faz a minha cidade renovar-se e parecer sorrir também, nas luzes dos carros refletidas nas pedras do antigo calçamento e nas janelas das casas que compõem ali um cenário perfeito – o novo e o antigo convivendo, sem barreiras. Ah, a minha cidade...
Às vezes, precisamos ir. Sair levando a esperança (ou a dor) que a alma encerra. Parece simples, mudar de terra, alterar o rumo, voltar quem sabe? Então, surge em nós o inusitado, um impulso inesperado, que antes pareceria coisa rara: tudo o que vemos, muito do que vivemos retrata-nos uma nova verdade: nada se compara à nossa cidade.
Olhamos paisagens, becos, praças e sorrimos num jeito opaco, sem graça... Era lá que, nessa hora, eu queria estar...