A verruga de Dona Fina

A casa da esquina, é a de Dona Fina. Viúva, mãe de muitos filhos, tem agora consigo só o Lizeu. E a verruga, digo eu. Fica dum lado do nariz, feito um pingente, pendente. Fina também como a dona. Que nada pode fazer, senão cuidar da casa, do filho, encostado pelo Instituto e rezar.

Rezar para o bem da família, dos muitos filhos e netos que já foram atrás da felicidade noutras plagas e rezar sobretudo para que a verruga não lhe caia, pois de acordo com médico de muito respeito, caindo a verruga, não há mais jeito.

E vai Fina levando os seus dias nas suas cotidianas porfias. Cozinha, lava, passa sem a ajuda do estouvado Lizeu, que no seu dolce-farniente, do falecido marido e pai não é diferente. Mas Dona Fina não se queixa, nem se abater se deixa. Se entretém, como a uma mulher viva e viúva convém.

Evita exposições. Quando muito chega à janela para dar uma espiada, mais dum lado da rua do que do outro - tudo de terra batida mesmo, naquele quase ermo que é o povoado do Brumado, onde quase todo mundo é operário e

a cumprir tem horário - senão nem salário.

Dona Fina quer ver o movimento da rua, que é pouco, mas já distrai. Contudo, a verruga tanta atenção atrai que ela sempre hesita, muito evita e no mínimo é que vai. Geralmente quando, já jantados Lizeu e ela, e a tarde cai.

Mesmo assim ela desconfia, e bem sabe que muita gente xereta, só passa por ali para lhe ver a verruga. Que não chega a ser enorme mas a incomoda mais do que conforme.

Tem-na desde menina, em tenra idade e a excrescência tampouco a impediu de se casar, ter seus filhos e chegar a velhice quando muita gente mais jovem, saudável e bonitona já se foi.

Quando me mudei do Brumado ainda menino, levei comigo a lembrança da efêmera mas duradoura face de Dona Fina. E se lá voltei umas tantas vezes, mesmo sem ver Dona Fina, voltei com a certeza de sua continuidade que se refletia no ar despreocupado e folgazão do

filho Lizeu, mais a toa que ateu.

Até que um dia a notícia alhures se espalhou com a rapidez de um corisco: a verruga de Dona Fina havia caído. Nada mais restava a fazer, senão um milagre - ou a profecia desacreditada estaria. Mas milagre não houve. Tinhosa a verruga sem companhia não ia. E o Lizeu, no breu, coitado, que não tendo se casado, deixasse a vida folgazã de lado.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/09/2013
Reeditado em 19/10/2022
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