TINTA EM VERMELHO...
Já vem ele, com seu casaco cinza, meio desbotado. Acho bonita a coloração sépia do canto direito de seu traje. Hamilton como sempre, atrasado. Mas seu passo nem um pouco apressa-se. Chega calmo e depois de um leve beijo, puxa a cadeira...
“Um Camel, por favor!”. Procura em seu casaco o esqueiro. Já com o cigarro aceso, assenta-se. Me olhar ansioso escondia um certo rancor...
“Paguei hoje dona Candira, ela estava com muita raiva, mas não disse nada à respeito, somente recebeu e se despediu.”
“Você queria que eu tivesse ido com você?” Ele diz pausadamente... “Demoramos muito pra pagar e realmente o momento não deve ter sido tranquilo...”
[...]
O seu olhar pára atônito, com jeito de que faltou... Depois abaixa a cabeça.
Os prados ao redor do bar envolvem esse momento, ressaltam a tensão e o ressentimento...
Olhei, então, para fora. O tom amarelo-vivo se assenta com o vermelho que delineia as ondulações do pasto. Lá ao longe, duas casinhas. Me esparramava nesse cenário, quando Hamilton chama. “O que vai fazer de bom hoje?”
Respirei desconcertada. “Bem, hoje é minha folga, mas depois daqui, vou buscar Cecil na escola para levar ao treino de futebol...” E suspendi os ombros sem ter entendido muito minha resposta...
Ele disse: “O que vai fazer de bom para você?”
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Sua falta me imprimiu fervorosamente essa noite, vejo sussuros de cigarra, andarilhos acompanhados, um pôr do sol tão lindo... E você não está.
Onde está, oh onde?... Em algum canto de bar... Em uma varanda grande... No seu trabalho? Ou ao revoeiro? Saber aonde te encontras, talvez uma paz me desse. Mas mesmo o saber, que presença estaria?
Me encontro, pois, no desenlaço do pensamento, me embaralho consolos ao vento, mas nada me dá o chão.
Onde está, aonde?
O alívio dessa dor.
As andorinhas já se bastam, a cor já se enebria e você nem esteve aqui para acompanhar esse cenário comigo!
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“Lucas, já pra cama!”
“Mas onde está papai?”
(continua...)