O rádio e o silêncio
Tenho, na minha mesinha de cabeceira, vários livros e, junto a eles, um pequeno rádio Sony, alimentado por três possantes baterias. Nas noites de infame insônia, ele me faz uma alegre companhia.
Através dele, ouço todo o tipo de programa sintonizado as muitas estações de rádio espalhadas pelo Brasil afora. Vez por outra, um programinho seresteiro ajuda-me a pegar no sono, na madrugada já alta!
Pois bem, na madrugada de hoje, o meu rádio espatifou-se no chão do meu quarto: caiu da mesinha! Afinal, uma queda de uma altura não tão pequena, como, por acaso, pode parecer ao meu caro leitor.
O pior é que, em consequência da inesperada e violenta queda, ele parou imediatamente de tocar e falar. Ficou literalmente mudo.
Nenhum rádio, AM ou FM, eu conseguia sintoniza. Desnecessário dizer que fiquei puto da vida. Irrequieto e triste atravessei a madrugada sem a agradável companhia do meu radinho de pilhas.
Com o meu rádio em pedaços e definitivamente mudo, instalou-se na minha alcova (?) um silêncio claustral. Nada se ouvia; absolutamente nada!
Sem o meu Sony - comigo há quase dez anos -, outra opção, naquele momento, não me ocorreu senão abrir o livro que comprara, na Saraiva, dias antes de tudo acontecer.
Havia-o colocado na fila, atrás de dois outros livros que, dentro de mais alguns dias, termino de ler.
O primeiro, Segredos do Conclave, do jornalista pernambucano Gerson Camarotti. Camarotti invade, com coragem, os bastidores do Conclave que elegeu o papa Francisco. Um livro muito bom.
O segundo, Histórias e Conversas de Mulher, da excelente escritora Mary del Priore. Nesse livro ela faz, depois de muito pesquisar, um estudo detalhado e muito interessante sobre a vida das mulheres no Brasil colônia. Imperdível!
Porque fizera uma opção pela leitura, escolhi exatamente o livro de poesias que adquirira na Saraiva. Ler poemas seria uma boa.
Debrucei-me, então, sobre os versos, escritos de 2005 a 2010, pelo saudoso escritor alagoano Lêdo Ivo (1924-2012), reunidos no livro Mormaço. Acaba de chegar nas livrarias.
E ás páginas tantas, veja o meu caro leitor, o poema que encontrei e que passo a transcrever no seu inteiro teor.
O RÁDIO MUDO
O rádio está mudo.E eu bendigo o defeito de pilha
que devolve ao universo o silêncio inicial
e enxota a fala inútil dos homens.
Nenhum rumor no mundo. Nem sequer o estalido
de um graveto no chão.
O Brasil desaparece.
A guerra e o terror somem no silêncio
e a paz do espaço vazio impera no instante
emudecido
como o pêndulo de um relógio de parede
imobilizado pelo tempo e pelo cansaço.
A mudez do rádio altera a rotina do dia.
É algo inesperado, neste mundo rendido aos
estrépito e a desperdício,
mas tem a sua razão de ser.
O sol é silencioso e nos ilumina. O amor só vale a pena
quando atinge a estância da adoração e todos os gestos são mudos e demorados,
e nenhuma palavra tisna a perfeição do êxtase.
As constelações são silenciosas.
Mais uma vez bendigo a pilha avariada e me ajoelho
como se o silêncio fosse o último deus que sobrou no mundo
após as devastações dos homens e o consumismo imoderado de palavras.
Observou o distinto leitor como o mestre Lêdo Ivo é impecável e preciso ao mostrar, versejando, o valor e a importâcia do silêncio?
Porque, neste particular, concordo plenamente com o saudoso vate das alagoas, peço permissão para fazer, como meus, os versos com os quais ele termina esse seu bonito e significativo poema; e com eles, encerrar a minha prosa.
Sem antes, contudo, deixar de lamentar o acidente que danificou, para sempre, o meu radinho Sony, privando-me da sua companhia, em altas horas...
Tenho, na minha mesinha de cabeceira, vários livros e, junto a eles, um pequeno rádio Sony, alimentado por três possantes baterias. Nas noites de infame insônia, ele me faz uma alegre companhia.
Através dele, ouço todo o tipo de programa sintonizado as muitas estações de rádio espalhadas pelo Brasil afora. Vez por outra, um programinho seresteiro ajuda-me a pegar no sono, na madrugada já alta!
Pois bem, na madrugada de hoje, o meu rádio espatifou-se no chão do meu quarto: caiu da mesinha! Afinal, uma queda de uma altura não tão pequena, como, por acaso, pode parecer ao meu caro leitor.
O pior é que, em consequência da inesperada e violenta queda, ele parou imediatamente de tocar e falar. Ficou literalmente mudo.
Nenhum rádio, AM ou FM, eu conseguia sintoniza. Desnecessário dizer que fiquei puto da vida. Irrequieto e triste atravessei a madrugada sem a agradável companhia do meu radinho de pilhas.
Com o meu rádio em pedaços e definitivamente mudo, instalou-se na minha alcova (?) um silêncio claustral. Nada se ouvia; absolutamente nada!
Sem o meu Sony - comigo há quase dez anos -, outra opção, naquele momento, não me ocorreu senão abrir o livro que comprara, na Saraiva, dias antes de tudo acontecer.
Havia-o colocado na fila, atrás de dois outros livros que, dentro de mais alguns dias, termino de ler.
O primeiro, Segredos do Conclave, do jornalista pernambucano Gerson Camarotti. Camarotti invade, com coragem, os bastidores do Conclave que elegeu o papa Francisco. Um livro muito bom.
O segundo, Histórias e Conversas de Mulher, da excelente escritora Mary del Priore. Nesse livro ela faz, depois de muito pesquisar, um estudo detalhado e muito interessante sobre a vida das mulheres no Brasil colônia. Imperdível!
Porque fizera uma opção pela leitura, escolhi exatamente o livro de poesias que adquirira na Saraiva. Ler poemas seria uma boa.
Debrucei-me, então, sobre os versos, escritos de 2005 a 2010, pelo saudoso escritor alagoano Lêdo Ivo (1924-2012), reunidos no livro Mormaço. Acaba de chegar nas livrarias.
E ás páginas tantas, veja o meu caro leitor, o poema que encontrei e que passo a transcrever no seu inteiro teor.
O RÁDIO MUDO
O rádio está mudo.E eu bendigo o defeito de pilha
que devolve ao universo o silêncio inicial
e enxota a fala inútil dos homens.
Nenhum rumor no mundo. Nem sequer o estalido
de um graveto no chão.
O Brasil desaparece.
A guerra e o terror somem no silêncio
e a paz do espaço vazio impera no instante
emudecido
como o pêndulo de um relógio de parede
imobilizado pelo tempo e pelo cansaço.
A mudez do rádio altera a rotina do dia.
É algo inesperado, neste mundo rendido aos
estrépito e a desperdício,
mas tem a sua razão de ser.
O sol é silencioso e nos ilumina. O amor só vale a pena
quando atinge a estância da adoração e todos os gestos são mudos e demorados,
e nenhuma palavra tisna a perfeição do êxtase.
As constelações são silenciosas.
Mais uma vez bendigo a pilha avariada e me ajoelho
como se o silêncio fosse o último deus que sobrou no mundo
após as devastações dos homens e o consumismo imoderado de palavras.
Observou o distinto leitor como o mestre Lêdo Ivo é impecável e preciso ao mostrar, versejando, o valor e a importâcia do silêncio?
Porque, neste particular, concordo plenamente com o saudoso vate das alagoas, peço permissão para fazer, como meus, os versos com os quais ele termina esse seu bonito e significativo poema; e com eles, encerrar a minha prosa.
Sem antes, contudo, deixar de lamentar o acidente que danificou, para sempre, o meu radinho Sony, privando-me da sua companhia, em altas horas...