Ao fio da espada
Então, quando não havia mais o que esperar, um acordo (sempre um milagre) uniu americanos e russos na tentativa de destruir ou retirar do país as armas químicas da Síria. O escândalo provocado pela mera sugestão de que um país esteja fazendo uso de armas químicas leva sujeitos inofensivos como eu a se perguntar por que é que as outras formas de se fazer guerra ainda não causam indignação semelhante. No discurso, é porque elas combatem o sofrimento humano provocado pelas armas inaceitáveis – aquelas invisíveis, que chegam a todos os esconderijos, tornando a fuga impossível, causando morte agonizante e imediata das vítimas.
Não há como negar que as armas químicas são muito piores que as tradicionais – mas também não há como negar que todas são usadas para o mesmo fim. Ainda estamos longe do dia em que tirar a vida de alguém por qualquer causa e com qualquer arma seja considerado algo intolerável. Aceitamos, sob certas circunstâncias, e criamos até mesmo uma ética para nos justificar.
Tenho um temperamento pacífico, até demais – mesmo as baratas eu só mato em último caso. Nunca brinquei de lutinha, não dei nem recebi soco algum, e tampouco embarquei na moda do UFC e MMA. Admito minha dificuldade em entender Deus no livro de Josué – "destruindo ao fio da espada homens, mulheres, jovens, velhos, bois, ovelhas e jumentos; todos os seres vivos que nela havia". Compreendo e aceito com entusiasmo Deus na primeira carta de Pedro – "estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós".
Por tudo isso é que não vejo as armas que os americanos pretendiam usar na Síria com maior condescendência do que aquelas que os próprios sírios usaram contra os rebeldes. E também acho que essas nações mais importantes deveriam se indignar, proferir discursos acalorados e defender ofensivas imediatas diante de notícias como esta de que a pneumonia e a diarreia matam todo dia 5 mil crianças no mundo.