Manuscrito Filosófico de William Shakespeare da Silva (part. 5)

Reflexões, parte V

Natureza Humana - Tudo Perdoável

Qualquer afirmação é inafiançável, improvável, irrefutável. Ninguém é o que diz ser, aparenta e acredita. Já que todos possuem suas próprias verdades, tudo é certo, ou fragmentos da verdade.

'Em verdade vos afirmo' Não conhecemos uma pessoa se quer. Já vi sorrisos no rosto do mesmo que olhava com antipatia; palavras de conforto precedidas do leve sarcasmo desanimador; promessas sendo feitas numa muda articulação mandibular.

Um dia, ao voltar de uma aula fui pegar a condução para casa. Ainda era relativamente cedo, umas quatro e meia da tarde. Esperei alguns minutos e peguei o ônibus. Estava aliviado por estar indo para casa; só me sinto confortável em casa.

Passado poucos instantes percebi que a direção que o coletivo seguia era diferente, diria ate oposto ao normal.

De imediato saí do ônibus e corri para o ponto mais próximo que encontrasse o transporte correto.

Consegui chegar, esperei um pouco. Devia ter umas 4 outras pessoas, mais afastadas, entre três ou quatro metros de minha posição.

Atrás de mim, alguém chamou minha atenção.

Era um homem de baixa estatura, porém magro; moreno; aparentava ter entre vinte e dois à vinte e sete anos; vestia uma camiseta não sei que cor e bermudas estampadas; carregava uma bolsa plástica preta, popular nas feiras de rua. Parecia um pouco nervoso, em êxtase.

Ele me chamou, julguei falar com outra pessoa, chamou-me mais alto dessa vez. Olhei, o estranho dera um passo à frente, estávamos cara a cara.

- Preste atenção... - Tentou falar com firmeza, de modos graves, contudo, sem levantar a voz.

- Desculpe, mas não tenho dinheiro. - Imaginei que esse era o problema, um desconhecido nunca se aproxima de outro daquela forma tão humílima se não para pedir algo.

- Você acha que um celular vale mais que sua vida? - Indagou o estranho.

- Perdão? - Não entendi uma palavra do que me dizia. O tom de voz era claro, mas parecia que ele não queria ser percebido, por isso falava tão baixo.

- Preste atenção! Você acha que um celular vale mais que sua vida? - se aproximara dois passos e perguntou pausadamente, acredito que fora para facilitar a compreensão.

- Vale mais. - Afirmei, falando mais alto que meu interlocutor.

_ O quê vale mais? Um celular vale mais que a sua vida! ? – Bradou novamente, estava confuso perante o estranho que fazia comparações absurdas...

- A vida, claro. - Respondi como quem responde 'a pergunta do milhão'.

- Então, aqui nessa sacola carrego uma faca e se não me entregar o celular irei te furar. - Mais sério que nunca, pela primeira vez nesse diálogo de loucos ele afirmava algo.

Seu tom de voz mudara. Estava levemente violento e levemente excitado. Agora sabia que desde o início o estranho tentava anunciar o assalto.

Não duvidava, poderia cair ferido se fosse a vontade dele.

- Calma, eu não carrego celular... - Levantei uma das mãos, a outra carregava livro e caderno.

- Ei! Abaixa a mão! - Replicou rapidamente enquanto olhava para os lados. Compreendi que tentava mascarar o ato.

- Eu só fui para o curso de inglês, sem levar nada, além disso. - Mostrei o livro e caderno.

- Mas como você veio aqui? Como vai pagar o ônibus? - Perguntou quase em desespero. Manteve o tempo todo, a sacola levantada na altura do meu tronco.

- Com isso. - Tirei do bolso o passe de ônibus, Um cartão.

- Se não acredita pode tocar nos meus bolsos. - Como eles me inocentavam, usei-os ao meu favor.

- Não precisa. Mas o que é isso? - Abrira um sorriso o ladrão. Eu estava com o celular!

Lembrava agora que levara ao curso para identificar as horas já que meu relógio estava quebrado (em nada me ajudara, sua bateria velha forçava-o e se autodesligar).

Tirei do bolso e entreguei ao assaltante.

Fiquei constrangido por dois fatores: Primeiro, parecia que queria proteger o traste, o mesmo que afirmara valer menos que minha vida; segundo, era velho o celular, tão velho que havia tiras de fita isolante ao redor do aparelho (sempre tive cautela em atender o celular, deixar que alguém visse aquilo seria vergonhoso, desmoralizante).

Ao 'dar' o celular, o assaltante mudara totalmente. Dera um sorriso de contentamento.

Iria explicar o motivo daquela situação, mas seria tão estranho que preferi ficar em silêncio.

Voltei à posição primitiva, à espera do ônibus.

- Então, o que você está aprendendo no curso? - Perguntou o ladrão com o semblante totalmente oposto do que descrevi anteriormente. Perguntara em altura regular.

- Inglês, estudo inglês. - Respondi ligeiramente.

- Ah! Inglês, como good morning, good night. Como se chama isso... ? - Enveredava descontraidamente em sua dúvida.

- Essas são saudações, grettings: Good evening, good afternoon. Despedidas são chamadas de Farewell - Respondera da mesma forma que fazia em sala de aula.

- Sim, saudações. E você está aprendendo mesmo? - Parecia esboçar o mesmo interesse de conhecido, vizinho ou até mesmo de parente.

- Aprendo. Se não aprendesse teria parado, no decorrer do curso alguns desistem... - Explicava até que fora interrompido pelo meu interlocutor.

- Olha, tenho passado fome. Andado por lugares estranhos. Já dei e recebi facadas... - Mudara novamente, estava me explicando em voz baixa esses acontecimentos e outros menos importantes. O ladrão tripolar parecia aflito.

- Acredita que Deus vá te dar um celular melhor que esse? - Perguntara o assaltante, semblante sério de crédulo.

- Sim... - Sabia que melhor do que aquele era qualquer um e não pedia a Deus nada como um celular.

Após alguns instantes nós nos calamos.

- Qual é o seu nome? - Perguntara-me o estranho.

- William. - Respondi timidamente.

- William? - Rira discretamente.

- É, odeio esse nome. - Realmente não me agradava esse nome, soava como o nome de um velho.

- Não é que seja feio, só é um pouco adulto. O nome de um adulto. - Deu o seu ponto de vista o assaltante. Estava de acordo. Nome inapropriado para crianças (adolescentes, eventualmente).

- Isso mesmo, penso da mesma forma. Sabe se passa algum ônibus para o centro por aqui? - Estava sem passar desde as primeiras falas do conto.

- Passa, sempre está passando algum. - Falava-me apontando para a próxima, possível, condução.

- Esse aí não... - Logo em seguida aparecera o meu.

- Esse vai. Pode vir aqui amanhã que eu deixo o seu chip nesse ponto. - No término desse diálogo ele me falava isso quase que tentando me consolar da perda.

- Não precisa. Nem se preocupe. - Já que não voltaria no dia seguinte ou dia algum, era desnecessário.

E assim fui pegar o ônibus, o interlocutor do diálogo pegou o mesmo.

Avançou para a ponta. Devia ter algumas mulheres perto da cabine do motorista. Ali elas conversavam sobre algo, o assaltante conversava também.

Logo em seguida percebi que o condutor falava algo também. Em seguida já estavam rindo. Percebi que era desarticulado o ladrão, aliás, de cara, nem parecia ser um.

Realmente ninguém parece ser o que é.

Seja bom ou mau. Talvez sejamos todos bons e maus, um pouco de cada. Assim como ele disse, poderia ter me ferido seriamente, mas para sobreviver tudo não é valido? Projetei-me na situação em que o assaltante se encontrava, e não podia culpa-lo.

Sem que houvesse necessidade ou obrigação, perdoei as suas ações por estar ele simplesmente tentando sobreviver.

Ferreira Lima
Enviado por Ferreira Lima em 14/09/2013
Código do texto: T4481788
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