A batalha da vida
O guia de cultura de um jornal local tem perguntado a alguns artistas de que maneira eles passam os finais de semana. É digno de nota que nenhum deles aproveite o sábado de manhã para passar aspirador, cortar a grama, lavar roupa ou ir ao supermercado. Estão sempre caminhando, passeando, andando de caiaque ou comendo croissants incríveis em alguma cafeteria. Costumam almoçar em restaurantes de nomes franceses, como franceses também são os filmes que assistem na parte da tarde, em meio a uma ou outra exposição de arte que não perdem nunca. Normalmente jantam fora, podendo ir a uma pizzaria, onde comem coisas como salada de alho-poró com shitake e pizza de berinjela agridoce. A maioria estende a noite para os bares, os shows musicais, as peças de teatro. E o resto do tempo passam em família, pois todos as tem bem constituídas. Vivem bem, os nossos artistas. Não comem marmita, não andam de ônibus, não ficam em casa por não ter dinheiro.
Eles não me lembram nada o artista que tenho encontrado em Gorki. Tenho comigo um livro seu chamado “A batalha da vida”. Gorki é considerado o criador da literatura proletária. Seus personagens vivem no submundo russo e fazem parte das classes eternamente excluídas. E são assim porque este também era o mundo em que Gorki vivia. Andava errante pela Rússia, alternando entre subempregos, sujeito a inquietações que o levaram a tentar o suicídio. Era jovem na época, mas ao seu lado pessoas de todas as idades conviviam com a penúria e a angústia, muitos cedendo ao roubo, ou se matando, vários se dedicando aos estudos e à razão, outros acreditando apenas na revolta popular, diversos não acreditando em mais nada, maldizendo Deus e o mundo, enquanto alguns pregavam o Evangelho segundo Tolstoi, e todos interpretavam à seu modo o amor, a humanidade e a vida, escolhendo para si as melhores estratégias para se enfrentar a sua batalha.
Gorki fazia a sua arte da falta de conforto que lhe atingia inclusive aos fins de semana.