CERRAÇÃO
Por Carlos Sena


 
O que fazer num sábado de setembro com os ventos todos de agosto? Será que as flores estão revoltadas com a invasão de ventos tão frios e violentos? Que setembro não se permita aos aziagos sentimentos do mês que se foi e que “cutuque” o sol com vara curta para que essa chuva que invade o litoral se dane lá para o sertão que tanto precisa. Mas, independente do que seja essas ventanias; independente dos dias meio lusco-fuscos, ficar em casa é pedida muito boa para o resgate de coisas que a gente se não revisitá-las, pode se perder delas: ver fotos antigas. Ligar pelo telefone convencional e conversar com os amigos queridos sem se preocupar com os impulsos, exceto os do afeto. Passar um café de verdade – aquele com o pano de coar dentro – mesmo um filtro de papel, mas café. Aquele café que a gente reúne na cozinha e começa a prosear com a desculpa de “tomar um cafezinho”. Arrumar o guarda-roupa. Essa é uma boa pedida. Então, você aproveita que já está chegando natal e separa roupas boas, mas que você não está mais usando para dar a quem precisa. Por que roupas boas? Porque a gente não deve dar nada que não nos serva a ninguém. O que não presta a gente joga fora. Roupa, sapato, comida, que a gente acha que pode dar a quem precisa tem que ser em bom estado. Senão a gente  continua no entendimento de que somos melhores do que aqueles para quem a vida sorriu pouquinho. Essa coisa de fazer sobrar espaço dentro da nossa casa reflete no nosso interior. Significa, em certos ângulos de visão, abrir espaços interiores para o nosso próprio crescimento espiritual. Porque na medida em que eu me desligo da fissura de ter muita coisa, eu passo a ser pra mim mesmo muito mais coisa.
Arrumar o que fazer pode também ser “não fazer nada”. Como diz a canção de Rita Lee, “só pra deitar e rolar com você”. Porque a vida requer de nós o que não requer de si. Como viver é único, certamente ser único em certas coisas e em certos momentos é a chancela de cada um consigo mesmo. Lá fora não há nem mesmo uma nesguinha de sol em pleno mês de setembro. Olhando o mar pela janela a gente não o vê, porque há cerração. Melhor a cerração que me impede ver o mar. Prefiro-a a outras cerrações que se fazem na convivência: serrar o velho, meter o pau nos diferentes, ignorar as flores simples, ouvir sem escutar, olhar sem ver, e muitas outras cerrações que nos partem sem, sequer, um gesto simples de adeus