A páscoa dos operários
O ano há de ter sido o da graça de 1960, talvez não tão arredondado assim, mas bem próximo. Mas o domingo era o de Páscoa. E fomos, as famílias operárias, à uma missa diferente, que se celebrava no espaçoso galpão de entrada da fábrica de tecidos da Velha Serrana. O dístico que se lia na bela toalha de linho que cobria
o altar improvisado para a circunstância é que me chamava a atenção: A messe é grande, os operários é que são poucos.
Não me parecia traduzir a verdade do momento aquela frase, pois o galpão
estava apinhado - e até muito bem comportado o populacho que ai seguindo e respondendo às determinações do celebrante. Talvez quisesse o Senhor dar uma provocada em seu ferrenho adversário Marx, ao prometer o pleno emprego.
Mas fomos nos embevecendo com aquela liturgia, certos de que algo de melhor ainda viria. E veio: ao fim da missa, num galpão anexo eis que se descortinava aquela sucessão de mesas, unidas, cobertas de acepipes domingueiros: bolos, broas, bolachas, pães, rosquinhas, um patetê de quitandas gostosas.
O que não se esperava contudo é de pacatas ovelhas nos transubstanciássemos em voraz alcatéia. Foi um massacre, uma hecatombe, não restando senão mesa nua
sobre nudez crua.
O que se pode dizer é que nunca houve Páscoa como aquela. Nem pro pároco, nem pro gerente, e muito menos pra gente. Dali pra frente tudo ia ser diferente.