Dos direitos naturais dos calvos
Quais os direitos dos oprimidos?
Terão os oprimidos direitos de reação sobre todas as outras pessoas, quer sejam diretamente ou não seus opressores?
Cena 1: O rapaz numa cadeira de rodas adaptada para esporte circula em alta velocidade pela pista pública de corridas no Menino Deus. Ele grita para saírem da frente e joga todos os corredores que encontra pela frente para fora da pista. Ele não tem controle técnico sobre o equipamento, não pode desviar, não tem buzina. Por pouco não machucou uma moça. Mas o rapaz, lembrando-se do pouco caso das autoridades com pessoas como ele, acha natural, perdoa-se e não se desculpa.
Cena 2: O rapaz afro-descendente passa com seu carro pelo sinal vermelho. Um pedestre, sobre a faixa de segurança, reclama e ele, lembrando-se dos anos de opressão de seus antepassados, acha natural dizer que a reclamação é racista.
Cena 3: Uma moça loira classe média alta, cabelos lisos e, suponho, perfumados, como costumam ser, na saída da escola do Júnior, irritada, força a passagem pela direita do outro veículo. O motorista reclama e ela grita, lembrando-se dos anos em que a mulher é oprimida pela sociedade chauvinista, considerando natural: “Seu machista, fdp!”.
Cena 4: O motoboy que faz entrega de água, sai na contramão com sua motocicleta rua afora. Um pedestre reclama do susto que levou ao atravessar a rua, olhando para o lado correto e o motoboy responde, achando natural, lembrando-se de todos os anos em que a classe trabalhadora é explorada: “Tô trabalhando, velho babaca!” (não – não era eu...).
Cena 5: O homossexual ocupa o banheiro da casa do amigo por 2 horas contínuas. Quando a mãe do amigo reclama, ele diz, achando natural, que ela é preconceituosa, lembrando-se de todos os anos em que esta opção sexual é reprimida socialmente.
Cena 6: O rapaz judeu torra a paciência dos amigos com críticas constantes e reclamações impróprias, nunca os elogia ou acarinha. Quando reclamam, ele, lembrando do Holocausto, achando natural, alega anti-semitismo.
Cena 7: A jovem verticalmente prejudicada empurra uma pessoa que pacientemente aguarda num guichê. A pessoa fica chocada e não sabe o que fazer. A jovem, lembrando de todos os anos em que as pessoas de baixa estatura são discriminadas, achando natural, reclama: “Quié, vais querer que eu ainda peça licença?”.
Cena 8: O jovem morbidamente obeso senta-se no ônibus e quase ocupa os dois lugares. A chegada do companheiro de viagem causa-lhe incômodo e ele, lembrando-se do descaso que pessoas de seu peso sofrem na sociedade, passa a reclamar da presença da pessoa ao lado – em voz alta, achando natural.
Dado que há um inegável histórico de pouco caso e opressão com as pessoas de pouco cabelo, reivindico o meu natural direito de careca oprimido:
a) Que passe a ser adotada a denominação politicamente correta de “charmoso indivíduo capilarmente prejudicado” para os calvos.
b) Abolição das referências: pouca-telha; aeroporto de mosquito; bola de bilhar, quereca, entre outras.
c) Pena de prisão inafiançável para quem dirigir palavras ofensivas (sobretudo quereca) referentes à minguada capilaridade do ofendido, com direito deste de cuspir na cara dos detratores quando assim lhe aprouver.
d) Desconto de 20 % em restaurantes e 50% caso se tratar de restaurante tailandês.
e) Vinho tinto de cortesia ao pedir qualquer tipo de refeição.
f) Entrada com desconto de 50% em shows musicais.
g) Livros ao preço de custo em qualquer livraria.
h) Prioridade nas filas de cinema, casas de CDs, teatros e supermercados. A lista fica em aberto para acréscimos necessários.
i) Direito de entrar em sua garagem a qualquer hora do dia sem lhe obstruírem a passagem.
j) Direito de andar de bicicleta em alta velocidade por cima da calçada. Caso alguém seja atropelado, este deverá pagar o conserto da bicicleta.
k) Direito de estacionar o carro em qualquer lugar, mesmo em frente às garagens dos edifícios.
l) Cirurgia gratuita de meniscos.
m) Fornecimento de perucas, produtos capilares (incluindo o tradicional cocô de galinha) por parte do Estado, sem que o reivindicante tenha que ingressar em filas de espera.
n) Protetor solar gratuito em qualquer farmácia.
o) Casos omissos serão resolvidos pelo próprio interessado.
Natural, não?