COLHENDO PINHÃO
O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.
COLHENDO PINHÃO
Um belo dia, lá pelo fim de abril ou início de maio, o Padre Reitor anunciou no refeitório que aquela tarde seria dedicada à coleta de pinhão, provocando forte alvoroço e demonstração de júbilo na rapaziada, que vinha aguardando tal anúncio com ansiedade. Influenciados pelos veteranos, que não se cansavam de gabar-se das proezas do ano anterior, nós, os novatos ansiávamos por repetir ou superar as façanhas por eles narradas, de terem colhido tantos e quantos sacos cheios de pinhão. Os padres, desde os anos anteriores, tinham mercado garantido, através das muitas amizades, para todo o produto dessa coleta, como forma de arrecadar recursos para o seminário.
Eu, que a bem da verdade, nunca tinha visto uma pinha de perto, somente lá no alto dos pinheiros, me sentia o mais ansioso de todos. Lá no meu sertão havia um baita pinheiro, o único que eu tinha visto antes de ir para o seminário, mas nunca produziu uma pinhazinha sequer. Uns diziam que era porque não havia outros pinheiros pela redondeza, outros afirmavam que era porque era pinheiro macho. Sei lá!... Por isso, esta seria uma atividade nova, uma experiência diferente, jamais sonhada.
Depois de recomendar que ninguém subisse nos pinheiros, que tivéssemos cuidado com gado bravo pelos potreiros vizinhos e com as propriedades alheias, cujos donos haviam gentilmente permitido tal coleta em suas terras, o Padre Reitor nos liberou para os preparativos da partida.
Fiquei surpreso ao ver, pouco depois, um dos religiosos, o Irmão Pedro, aparecer com um saco cheio de estilingues e distribuí-los para a garotada irrequieta. Antes da partida, a cada um foi dada uma sacola para a coleta e o transporte do material colhido.
Sem demora nos debandamos, divididos em grupos de cinco ou seis, sob a responsabilidade de um vigilante nomeado pelo Padre Tito, que coordenava a ação e prometia belos cascudos em quem não se comportasse direitinho. Aos grupos dos maiores foram destinados locais mais distantes. Aos treze anos eu já era bem taludinho, quase da altura que tenho hoje ou talvez mais, pois dizem que depois de certa idade a gente começa a minguar...
Nós, do meu grupo, atravessamos várias propriedades, cruzando cercas de arame, saltando sobre valos cheios de água, até chegarmos ao trecho a nós determinado.
Que dia maravilhoso! O terreno era coberto pelo pinheiral até longa distância. As copas das árvores entrelaçavam os galhos lá no alto, rendilhando o azul do céu com desenhos variados. Desrespeitando a ordem recebida, um dos colegas, apelidado de Jaguatirica por ter o rosto pintado de sardas, fez jus ao nome e se pôs a subir com agilidade a um dos pinheiros.
Repreendido pelo colega vigilante e ameaçado com pelotadas pelos demais, o Jaguatirica teve que descer, mesmo porque a subida seria inútil, pois as pinhas ficavam nas pontas dos galhos, que não resistiriam ao peso de uma pessoa.
Enquanto alguns juntavam as sementes dispersas pelo chão, outros e eu apelávamos para os estilingues, alvejando as pinhas que desafiavam nossas pontarias lá no alto. Outros, ainda, munidos de longas varas de bambu, batiam nos galhos mais baixos, fazendo debulharem-se as pinhas maduras. Em menos de uma hora estávamos todos com nossas sacolas cheias. Foi então que se revelou a esperteza de alguns veteranos, que despiram o calção trazido propositalmente sobre outro, amarraram-lhes a pernas, fazendo deles outras tantas sacolas.
Cada grupo que chegava de volta ao seminário recebia sacos vazios para despejar o fruto de sua coleta sem misturá-lo aos demais, a fim de saber qual grupo arrecadaria mais pinhão, pois o vencedor receberia o prêmio prometido antes da partida.
Nosso grupo foi um dos primeiros a chegar. Enchemos dois sacos e meio, muito mais do que os anteriores, e à medida que outros grupos chegavam, íamos ficando mais confiantes de sermos os vencedores, pois faltavam apenas dois grupos a chegar, e eram ambos dos menores, fraquinhos, sem força para carregarem o peso das sacolas cheias. Era o que pensávamos, não contando, porém, com a astúcia dos pequerruchos. O último deixou-nos desapontados, causando surpresa até nos padres. Os malandrinhos, com a desculpa de que poderiam passar frio, haviam levado suas roupas de inverno: calças compridas e casacos, e chegaram todos eufóricos, carregando ao ombro, dois a dois, suas roupas cheias de pinhão e penduradas de uma vara à guisa de padiola. Além disso, cada qual trazia sua sacola quase cheia alceada ao outro ombro. Vinham arcados sob o peso, mas vinham felizes. E foram os vencedores.