Sem Foco
Vai-se ao oftalmologista e ele confirma:
- É, os graus do senhor aumentaram. Tem que usar óculos para perto e para longe. Vou receitar um bifocal.
Bifocal... retumba o pensamento... Bifocal?
Na ótica a atendente explica e adverte:
- Seus graus aumentaram muito... O senhor tem que usar o bifocal constantemente, senão fica pior.
E ela prossegue:
- Bifocais são lentes que permitem imprimir graus tanto para longe quanto para perto. No início o senhor irá estranhar, mas se acostuma.
Pergunta-se:
- Você acha que acostumo?! E como é isto?
Ela adianta:
- É como assistir a uma TV de 14 polegadas. No centro fica tudo nítido e nas beiradas turvo.
Fazer o quê? Encomenda-se o danado. Apanha-o no dia da entrega. Experimenta-se... Estranha-se. Leva o objeto para casa e ele fica ali fora da caixa.
E se olha para os óculos e os óculos olham para o sujeito. Rejeição. Preferem-se os antigos.
Por obra do destino, perde-se a relíquia ocular. Tem que se usar o bifocal.
Os olhos ardem. Os pés tropeçam em tudo. A mente cria degraus que não existem. A visão se torna límpida e repentinamente se turva.
Bifocal? Deveria chamar aquilo de ‘disfocal’ ou ainda ‘bipolar’: ou se enxerga ou tudo se turva, ou a tudo distancia ou a tudo se aproxima, ou usa ou joga aquilo fora.
Ou usa ou joga fora... Usa-se! A deficiência visual não permite o luxo de desprezar o ‘disfocal’.
Usa-se e tira. Usa-se e tira-se. E usando e tirando vai-se acostumando.
E de costumes a vida é feita.
E de tão acostumado que se fica, o óculo bifocal torna-se quase parte do corpo da gente. Literalmente quatro olhos. Ao acordar é a primeira coisa que se procura: “Onde deixei meu bifocal para descansar antes de eu dormir?”
Fica o aprendizado: Vivendo, com tudo se acostuma... até com aquilo que à primeira vista é ruim!
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 13/09/2013.