O simples não é complicado
Tenho uma amiga que trabalha como jornalista na área de assistência técnica rural. E às vezes ela precisa passar para a linguagem de um camponês (ou seja, o português) aquilo que anteriormente havia sido escrito na linguagem das pessoas esclarecidas (que até guarda algumas semelhanças com o português, mas não se confunde com ele). Assim é que ela precisa substituir palavras como “multidisciplinariedade” ou “autogerenciamento” e expressões vazias como “pensar sistematicamente”, “estabelecer nexos” e “interligar ações” por seus equivalentes na língua portuguesa, geralmente a única compreendida pelos agricultores.
E, por incrível que pareça, o resultado dessa tradução costuma ser um texto muito mais rico do que o anterior, feito por técnicos e só compreendido por outros técnicos. Isso porque exige a busca pela palavra precisa, única em seu sentido, compreensível para o maior número possível de pessoas, e sem prejuízo para a qualidade do texto, sem empobrecer a linguagem. É como diria o Vicente Matheus: o simples, vocês sabem, não é complicado.
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Lembrei-me de uma porção de coisas escritas justamente para não serem compreendidas – evidentemente, alguém sempre sai ganhando com a falta de compreensão. Qualquer documento do Judiciário, por exemplo. Os projetos de lei do Legislativo. As resoluções do Executivo. Os três poderes estão irmanados de um jeito em sua linguagem que torna-se realmente difícil acreditar que o português seja a nossa língua “oficial”.
A língua dos documentos é outra, parecida com a dos artigos científicos, dos manuais de instruções, das bulas de remédio, e até coisas de coisas mais banais, como os cartões de embarque. Um dia encontrei um homem no Terminal do Tietê que sabia ler e escrever, mas nem por isso conseguia entender o que devia preencher em cada espaço do cartão. Pediu então que eu escrevesse pra ele e quis me dar R$ 5 pela tradução. Hoje em dia, só o inglês não está bastando mais!