Da ironia sutil ao verbo direto

DA IRONIA SUTIL AO VERBO DIRETO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 11.09.13)

Bem que o Flávio sempre me advertiu: ironia e sutileza não cabem na crônica de jornal, o leitor não percebe a insinuação e lê o que está escrito, não as entrelinhas. E a culpa nem é do leitor, mas do fato de estar lendo jornal, veículo de matérias diretas, objetivas e precisas. É assim que ele lê o jornal, é assim que lerá a crônica do jornal. A digressão, a sugestão, a provocação caem melhor no texto literário, que o leitor aprecia como um desafio, uma charada, um enigma a ser solucionado.

O risco de ser sutil e irônico na crônica jornalística, conclui o Flávio, é ser entendido e interpretado erroneamente (do ponto de vista do autor) pelo leitor, que já tem um olho na parte de baixo da página e ainda nem chegou propriamente a desgrudar o outro olho da página anterior: há que ler rápido, "fast read", porque o tempo urge e sempre está na hora de voltar, de fazer o que realmente te dá camisa. E o Flávio José Cardozo, sabemos todos, é dos mais brilhantes cronistas que jamais brotou em terras catarinas. Além de construir-se em contista dos mais importantes que o Brasil já deu.

Pois tal é o mal que me aflige desde que, sutil, tentei ironizar alguns absurdos e contrassensos que rolam por aí. Meu problema, minha dúvida atroz e cruel reside simplesmente em encontrar uma forma eficaz de devolver, por imerecida, uma torrente de elogios que recebi quando tratei aqui, outro dia, da efetiva importação de médicos pelo governo federal, da suposta importação de engenheiros e da fictícia importação de escritores.

Parecia-me que o disparate das argumentações que usei (sem contar a história que os meus textos vêm contando desde 1963) seria suficiente para denunciar com clareza o verdadeiro sentido e as reais intenções da crônica em questão. Aí o erro grotesco do cronista: quem condena a vinda de médicos para atender as populações marginalizadas, necessitadas, só tem olhos e ouvidos para o corporativismo grotesco e delinquente, e se escora atrás exatamente de argumentos disparatados, às vezes sem se aperceber da falsidade do raciocínio. Assim, o que estes leram aqui foi a música dissonante à qual se acostumaram. E aplaudiram entusiasticamente o cronista que, supuseram, enfim enxergava a realidade - deles.

De forma idêntica obram os que denunciam a importação de engenheiros pelo governo federal - para criticá-lo acidamente -, quando se sabe, apenas para ficar em um exemplo, que os EUA desenvolveram sua engenharia, ciência e tecnologia graças à sedução de cérebros de todo o mundo, inclusive da Alemanha nazista, da União Soviética e do desprezado Terceiro Mundo. Só nós, no Brasil, com deficiências gritantes nessa área conhecidas há décadas, é que devemos permanecer puristas, nacionalistas, xenófobos.

Por outro lado, o erro de avaliação cometido pelo cronista gerou iradas mensagens eletrônicas exigindo a exclusão do endereço do remetente da minha lista de distribuição, com a afirmação categórica de que, "se é para ler esse tipo de lixo, prefiro ficar com a 'Veja' inevitável dos consultórios médicos".

Enfim, como declarou de peito aberto o presidente do Sindicato dos Médicos de Campinas, apoiando o programa Mais Médicos, "a não ter nem médico nem estrutura de atendimento à saúde nos cantos desassistidos do Brasil, é preferível ter ao menos o médico, que acabará se tornando o indutor para a criação dessa estrutura". Atendendo ao Flávio, o doutor paulista não foi sutil nem irônico: deu o seu recado de forma direta.

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Depois de ficar mais de 24 horas (entre 14 e 15.08) sem banda larga, a qual continua caindo com frequência, fiquei sem computador da noite de quarta-feira, 04.09, até a tarde de quinta, 12.09, quando me foi devolvido pela assistência técnica com a notícia da perda de todos os meus arquivos, programas, senhas e "links". Nesse tempo, meu acesso à internet foi quase nulo - dificuldade que, obviamente, persiste até recuperar o que for possível das minhas cópias de segurança.

Lamento e peço desculpas pelo "apagão".

Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com. A partir de 26 de agosto de 2013 integra o Conselho Estadual de Cultura, na vaga destinada à Academia Catarinense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 32.

Janeway Smithson estava naquele trabalho havia vinte e cinco anos e era estúpido o suficiente para se orgulhar disso.

Charles Bukowski, Factótum