Intermitências
A juventude enrolava-me nas minhas essencialidades existenciais e o mundo perdia todas as referências importantes. O olhar interior mostrava-me outras paisagens. Assim, tanto dava estar naquela como em outra casa, naquele como em qualquer outro lugar equivalente. A guerra passou e dela só retive as ausências e os gritos. Mais do que perder a terra ou ver a ruína dos lugares onde cresci, pesa-me a falta dos que, perdidos na vastidão do mundo, nunca mais acharam o caminho para voltar. Alguns, cansados da procura vã, desistiram; outros forçaram o regresso e só encontraram pedras, calor e poeira. Chamavam pelos familiares e pelos amigos mas esses não estavam para humanizar o espaço ou para responder. A deceção era verde, tinha vozes novas mas ninguém que soubesse as anteriores canções. A cidade, como uma mulher andrajosa e conformada, esquecera a beleza do passado e tentava o riso na boca frisada e sem dentes. Mantinha o olhar aceso, único luxo que restou depois das contas feitas e do abandono. São novos os dias mas as antigas dores que justificaram a mudança voltaram para ficar e ferem de descaso o Povo. A liberdade vale quando dignifica e alimenta mas nunca quando só significa que podemos escolher a periferia para morrer.