QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU?
A solidão é bicho que ataca no silêncio, de tocaia. Morde, tritura e devora por dentro. Ela nos cala. Mas grita, agita e fala. Como quem não quer nada. E nos rouba tudo. Solidão é maritaca ao contrário, ave que nos aprisiona de forma sorrateira em suas gaiolas cinzentas. Mas solidão também é catraca: fecha portas e portões. É cadeado que tranca o coração. E faz de nós gato e sapato. E ficamos de cara dura, sentimento lacrado. O pior de tudo é a que a solidão não pede licença para entrar. Chega sem avisar. E gosta de se refestelar no melhor cantinho que temos. E se a gente deixar, ali vai ficando, ficando e se adonando do lugar. Solidão é cara de pau. Malcriada. Invasiva. Espaçosa. Se deixarmos, ocupa tudo. E ficamos a ver navios. Acabamos sendo estrangeiros de nós mesmos. Ilhados, isolados de tudo o que mais gostamos. Solidão é serpente que se enrosca e se aninha e põe ovos a chocar. Solidão se multiplica, se amplia e gosta de ver a pessoa, lentamente, definhar. Solidão se alimenta de tristeza, melancolia e depressão. É um prato cheio que muita gente gosta de degustar. Porque solidão é aquele momento em que você pensa que lamentar é o melhor remédio. Que você precisa sofrer. E você bate no peito e pensa que você é quem mais sofre no mundo. E fica ali, prisioneiro de tudo e de nada. E você se sente importante. Afinal, a solidão é a sua alma gêmea. A escolhida. E, no escuro de você mesmo, a solidão se agiganta. E você é a própria solidão. E você se alimenta de solidão. Mas, no fundo, é ela quem te devora. A solidão é um bichinho pequeno, quase invisível, que cresce assim, num átimo. E se alimenta de ilusão. Da sua ilusão de pensar que está só. Pois a solidão só é verdadeira quando você não consegue ficar em paz consigo mesmo. Solidão não gosta daqueles que se amam. Aí, sim, solidão é um bicho covarde que foge pra longe e deixa você, sozinho, a sorrir em paz.