O Psicólogo e o Advogado

O Psicólogo e o Advogado

Vejo uma semelhança entre estes dois profissionais.

Freud preferiu a comparação com o Arqueólogo, aquele que remove das entranhas da terra, escombros do passado, reconstruindo parte a parte, na tentativa de compreender o curso da civilização.

O Psicanalista, tal qual o Arqueólogo, revolve a mente, em busca de traços de vivências primitivas, “completando aquilo que foi esquecido” (Freud,Vol.XXIII,pág.293), permitindo o fluir da vida presente, em moldes mais satisfatórios, não mais enredada em segredos passados.

Da minha parte, passei a prestar atenção na analogia com o Advogado.

Os dois profissionais são, também, escavadores de escombros do passado, na tentativa de recontarem uma história para melhor conduzir os interesses de seus clientes.

Vamos considerar que a reconstrução psicológica e jurídica de uma biografia se transforma numa ficção. E ficção no sentido de imaginação, inventiva, interpretações além da realidade, convicções íntimas, nunca fraude, mentira ou fingimento, já que não se tem acesso direto ao passado.

O Psicólogo nem o Advogado vivenciam experiências do cliente e não têm acesso direto a elas, apenas o relato delas. A vivência a reconstruir estará sempre no passado.

Lembro que em 2005, numa primeira versão, estava em evidência uma fita mostrando um senhor do correio recebendo um pacote de dinheiro, um dos incidentes que deram origem ao Processo do Mensalão e naquela época argumentava que a tal fita estava sujeita às possibilidades da ficção. Recentemente, um dos réus condenado do Mensalão, alega, em sua defesa coisa parecida, ao se dizer invejado pelas elites e mesmo ontem ouvi um comentário sobre pessoas que continuam a acreditar que o mensalão é mera ficção.

O Psicólogo e o Advogado escutam o cliente. No decorrer da fala, vai-se avivando a memória e, de traços em traços, recordações esquecidas afloram. Fragmentos, banalidades se juntam e se transformam numa peça ficcional, correspondente à situação original, tão verossímil que resulta uma verdade histórica.

Neste momento, Psicólogo e Advogado se diferenciam.

O Advogado usará a construção, independentemente da convicção vivencial do cliente, já que lhe interessa convencer os jurados, os julgadores, a opinião pública.

O Psicólogo submete ao cliente a peça ficcional. Ela deverá promover nele uma convicção vivencial íntima altamente emotiva e, em conseqüência disto, poderá gerar insights, resultar em ganhos emocionais, em espontaneidade na vida presente, num viver mais satisfatório, menos neurótico, livre dos fantasmas do passado. Caso contrário, nova ficção será construída, a bem do sucesso terapêutico.

João dos Santos Leite – Psicólogo CRP 04-2674

Ituiutaba – MG, 11 de Setembro de 2013

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 11/09/2013
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