O prédio envolto em fumaça preta
- Eu tinha ido almoçar com o meu pai. A gente almoçava sempre. Não era todo dia, mas era mais de uma vez por semana. Foi o período em que estive mais perto do meu pai. Por algum motivo cheguei lá mais cedo e a televisão estava ligada. Antes disso eu não havia notado que havia uma televisão no escritório em que ele trabalhava. Mas era uma TV grande, que expressava bem o tamanho da gravidade do acidente. E já vi logo imagens do prédio envolto em fumaça preta, e era tudo ao vivo. Meu pai era um homem muito inteligente e teceu comentários sobre o que era aquilo. Eu só sabia que era grave, mas não fazia parte do meu mundo e nem da minha realidade. Era algo grave no outro lado do mundo. Nos dias que se seguiram também acompanhei o noticiário. Mas não me lembro de temer, embora alguma consciência eu já tivesse do que aquilo poderia significar. E de tudo, o que foi mais importante para mim, o que fica mesmo na minha memória sobre aquele 11 de setembro, é que ali eu ainda tinha um pai. E com todo o terror do mundo, ele estava ali ao meu lado.
- Eu tinha aula de música naquela manhã. Antes de sair fiquei no meu quarto treinando a escala daquela semana. Tinha televisão no meu quarto mas eu deixava desligada enquanto treinava. Eu estava meio brigado com a minha mãe e saí sem me despedir. Fui à escola de música e voltei sem saber de nada. Na hora do almoço eu ouvi alguma coisa no rádio sobre uns aviões terem atingido um prédio, mas não dei muita importância. Só na escola é que eu fui saber de tudo, porque não se falava em outra coisa. Quando voltei pra casa eu corri pra frente da televisão. Ainda não estava falando com minha mãe, então esperei meu pai chegar pra conversar com ele sobre aquilo tudo. Perguntei se ele tinha visto o começo da Terceira Guerra Mundial. Naquela noite acabou a luz em todo o condomínio e a gente ficou pensando que tinha alguma coisa a ver com os ataques também. Eu queria fazer as pazes com a minha mãe.