MELANCOLIA

A hora de dormir é o momento mais angustiante de quem está o perverso domínio da melancolia. Tudo que entristece e angustia lhe vem à mente, corrói sua alma, dói no estômago, maltrata o tempo todo e não o deixa em paz. Ele rola na cama de um lado para o outro, tenta extrair pensamentos positivos da alma, não consegue é óbvio, porque todo o seu ser está envolto no abraço das lembranças tristes, abre os olhos para o negrume da luz apagada, senta na cama enxergando apenas o toque macabro da quietude, e, aprisionado pela amargura, fita a escuridão do quarto silencioso pela calma noturna. Depois, percebendo que não adiante permanecer sentado, dói-lhe a coluna, cansa da posição, então deita novamente e torna a fechar os olhos para mais uma tentativa de dormir, mas o espaço sombrio de si mesmo só dá lugar aos sussurros da angústia, ao clamor surdo da agonia. A paz não existe num coração assim.

E sua noite não passará de horas intermináveis de enlouquecidas viagens mentais a universos sem sorrisos, lugares onde só imperam as lágrimas, vertentes espinhosas ou lamacentas, jardins mortos e sem beija-flores, pântanos e charcos, planícies tomadas por lavas de vulcões violentos, pássaros sem asas tentando andar, peixes morrendo devido a falta de oxigênio causada pela poluição, nuvens carregadas de tempestades e trombas dágua, relâmpagos apavorantes e trovões rugindo no céu. Morfeu em nenhum momento o abraça para o consolo do sono, afasta-se dele, distancia-se e o observa sarcástico. Sabe ele que o infeliz certamente demorará muito até chegar à sua presença e, ainda que claudicando, buscará seus braços para envolvê-lo e, talvez, conciliar o sono.

Mas até alcançar esse feliz instante dum repouso eivado de agonia, sofre a pressão cruel de tudo que o deixa abalado, cabisbaixo, entregue praticamente à depressão. O ir e vir de um lado para o outro da cama é verdadeiro tormento, nenhuma posição aquieta sua alma atormentada. E a noite que nunca termina, o tempo implacável que jamais passa, os pensamentos intensos que não saem de sua cabeça. O sujeito fica ainda pior, sem controle sobre si mesmo, descabelado, o coração a mil, descompassado. Por fim, não conseguindo reagir, incapaz de fugir das armadilhas da mente, o coitado chora aos soluços, as lágrimas borbulhando em suas faces em quantidade inusitada, e quanto mais ele chora mais a ânsia de desabafar através desse turbilhão aumenta. Ele só deseja descansar, quer somente dormir, mas seu coração incendiado e palpitante não permite, seus pensamentos o impedem, a dor que por certo sente não deixa.

A ninguém é dado escolher a forma de morrer, Deus é quem sabe o momento de cada um e como será, é segredo a Ele só pertencente. Só os covardes, ou os fragilizados por poderosa doença mental ou arrasados por extraordinária tristeza, escolhem a forma e a hora de suas mortes. E no entanto, também essa ideia se forma em seu alvoroçado espírito, de maneira quase imperceptível, porém real, está lá nalgum recanto de seu âmago, reflexo que ele logo trata de repelir à medida que de novo rola para um lado e para o outro da cama. Será mais uma noite agitada para ele, e apesar do reinante silêncio natural vindo com a noite, de vez em quando ele escutará, ecoando alhures, o choro de alguma criança doente ou faminta, o estrépito de gatos namorando, o rápido passar de um ou outro carro vivendo os mistérios da madrugada com seus motoristas.

O amor é cárcere do qual ninguém quer sair, a menos que ganhe a liberdade de deixar de amar. Mas haverá sempre um coração despedaçado permanecendo encarcerado, aquele que não deixou de amar ainda que não amado, que não poderá dormir em virtude da esmagadora força da tristeza, que, se dormir, acordará lembrando das mesmas coisas que não lhe permitiam repousar tranquilo. E no ar, como bofetões em seu rosto acabrunhado, ele se perguntará: por onde andam os beijos dos beija-flores, os abraços dos amantes, os sorrisos de simpatia, os olhares de empatia e aqueles ares de sedução? Onde estarão? Levou a brisa em seus sussurros, carregou o vento em sua fúria, engoliu a mata incendiada pelos insensatos, ou terão se afogado nos rios pútridos pela poluição humana?

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 11/09/2013
Código do texto: T4477229
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