Paciência
Hoje a minha gente chora por um tempo que não volta mais. Um tempo que sonhar com o futuro não era privilégio. Ninguém esperava que o futuro fosse ficar no passado, e o presente fosse se tornar lamentos por tempos idos.
As ruínas do passado são destruídas pelas mesmas mãos dos homens que as ergueram. As mesmas mãos que ninam a inocência dos recém-nascidos também suprimem vidas por mais uma dose.
Nem mesmo o rio, que rola deprimido sob a precária ponte de madeira, é o mesmo. Suas águas preferiram ir de encontro a outras cachoeiras a ver a melancolia que tomou conta de suas margens. As águas, que insistem em ir até o final, passam serenas, perplexas pelo conformismo. As cheias não são as mesmas. Até mesmo o rio parece desistir. Está cansado. Não é mais o mesmo rufador de outrora.
Os descampados a se perder de vista são as provas de que essa terra já foi próspera. Não só de bom dia se viveu por aqui. Mas todas as promessas foram embora com o último grão de açúcar. Restaram os morros despidos, os muitos pastos para pouco gado e os boatos de que, um dia, tudo voltaria a ser como antes.
Nas estradas empoeiradas, os chapéus de palha se confundem com os rostos cansados de tanto trabalho. Mais um dia longo, como todos os outros, se esvai. Quando o sol voltar, os bravos, de costas exaustas por carregar enxadas, vão à busca de mais um cercado para capinar. As mãos calejadas não os deixam mentir. Os sorrisos desdentados não os deixam desistir. Na boca, sempre uma boa história, nem sempre verídica, para esquecer-se do que deve ser esquecido.
Da imponente Leopoldina, sobraram apenas as lembranças. A nostalgia ainda faz ser ouvido o apito do trem todos os dias, à tardinha. Pontualmente, às 17h. A estação, de tantos encontros e despedidas, ruiu antes mesmo do fim. Levaram embora quase tudo. Os trilhos, de inúmeras idas e vindas, agora estão empilhados retorcidos em qualquer lugar. A Maria Fumaça, um dia destemida, recosta no pátio das sucatas. Não deixaram, sequer, um dormente para contar história. Mas ela, a história, não morre na boca de quem insiste em contá-la.
Em cada casinha humilde, o café é mais saboroso. Em cada família, um velho debruçado sobre a janela, como se estivesse apenas esperando o fim de mais um de tantos dias. Os cabelos brancos e a pele marcada pelo tempo não mentem. A expressão extenuada aguarda pelo amanhã sem a ingênua esperança de dias melhores. Falar da morte parece tão natural para quem tudo viveu que ela já não assusta mais.
Todos os dias, os ônibus vão lotados e voltam vazios. Partem em busca de um lugar que ofereça esperança. Ficam os choros infantis das crianças pela ausência das mães que saem em busca do pão de cada dia.
Mas lá no alto da colina, a capela azul continua imponente. Suas escadarias ainda são o ponto de encontro de toda gente. Crianças correm brincando, enquanto os mais vividos proseiam sentados sob a sombra da torre do sino. Uma vez por mês, a molecada se comporta, e os homens e mulheres tiram do armário as surradas roupas de gala. Uma vez por mês, o bispo vem lá da cidade grande para rezar. Rezando, essa gente sofrida renova a fé. Renovando a fé, fica mais fácil de levar a vida, até que ela seja apenas o vulto escuro que os olhos fechados veem debaixo da terra.