Terra Sem Dono
Assim arenosa e maninha a terra regurgita as pedras que pontilham, como figuras míticas, a paisagem seca. O deserto começa ali no mesmo lugar em que as ervas que ousaram nascer se mostram, vergadas, vencidas em sua escrita quebradiça. Avanço um pouco mais e leio todos os sinais da vida que se adia para lá da inclemência da luz, do calor implacável, do céu dolorosamente azul e distante. A areia fumega e canta uma vibração repetitiva e um lagarto de cor fulva, ziguezagueia numa duna e corre para a pedra na qual, imóvel, me observa. O tempo para ali todo o espaço do dia, igual e severo antes de, no ocaso, se mostrar garrido e ativo. Veste, então, cores de fogo e as sombras que tudo projeta chamam a noite. O frio vem com a neblina que nos limita e a paisagem anula-se, exausta, durante a pausa densa dos sons. Estamos sós, duas testemunhas mudas ante tanta força. O Namibe mostrará, no outro dia, as Weliwitschia Mirabilis, únicas no mundo, dramáticas estrelas caídas, crestadas, com as folhas braços a resistir aos rigores de um lugar que, se não fosse tão visceralmente belo, seria maldito. Viemos para as ver mas o que, verdadeiramente, trazemos deste caminhar em terra ardente, são outras imagens e novos conceitos para algumas das palavras que, levianamente, usamos para definir silêncio, calor ou infinito.