O pai da noiva

Minha filha vai crescer como uma princesa, mas nada de riquezas materiais: ouros, diamantes, cama de veludo com travesseiros de penas de ganso. A maior fortuna que vou oferecer é o meu amor, que, alias, já está sendo modulado antes mesmo de ela chegar, e mudar o meu mundo.

Ela vai nascer do ventre de uma donzela, a mulher dos meus sonhos, aquela que Deus escolheu e meu coração aceitou, como se tivesse feito já em vidas passadas: a mãe da minha menina.

Minha filha vai brincar na rua, na chuva, de casinha, de boneca, andar com os pés descalços, chorar por querer uma pipoca doce e ir à igreja toda semana. Ah, minha filha vai ser o oposto de sua geração.

Quero acordar toda manhã e receber um beijo de amor, e ir dormir apenas depois que ela pegar no sono. Eu quero ouvir um ‘eu te amo’ tão sincero quanto o meu pra ela, e ser o seu melhor amigo.

Ela vai ouvir músicas infantis, enquanto pula em cima do sofá, e depois que se cansar vai dormir, como um anjo feito de amor.

Vai crescer sendo a melhor aluna da sala de aula. Matemática? Tira de letra. Português? Francês, Espanhol... Vai ser o orgulho da tia do primário, o exemplo da professora do ginásio, a melhor aluna do colegial.

E eu vou a ver mudar o seu rosto, corpo, ideais...

Um dia ela vai chorar em meus ombros por uma paixão não correspondida, e eu vou consolá-la, como se tivesse experiência nisso, me corroendo de ciúmes por dentro.

Vou estar na minha poltrona preferida, tomando um chá da tarde, assistindo ao futebol, e ele (o meu pior inimigo) vai entrar pela porta da sala, tremendo suas pernas, vai me cumprimentar de cabeça baixa e depois de dez minutos vai dizer: posso namorar a sua filha?

E eu vou olhar para ela, e ver os seus olhos brilharem de ansiedade, segurando a mão de sua mãe, desesperadas por minha resposta. Vou me levantar, olhar para a janela, ver o cachorro brincando lá fora, e lembrar de toda a minha vida ao lado dela: a minha princesa.

Minha filha vai se casar. E no seu casamento eu vou chorar feito criança, caminhando do seu lado até o seu futuro. E ela vai construir uma linda família, e me presentear com a consequência de todo o amor que um dia eu lhe ensinei.

E minha casa vai se encher de netos e depois bisnetos, correndo para todos os lados, comendo bolinhos de chuva no domingo à tarde, e indo pescar comigo nos feriados prolongados.

Até o dia em que eu esteja ajoelhado aqui, nessa casa triste cinzenta, nesse cantinho improvisado ao lado dos santos, ouvindo ao fundo Chico Buarque, e agradecendo aos anjos que um dia trouxeram a minha princesa. Suplicando para que os pais sejam pais, e não apenas de nome e sobrenome.

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Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 10/09/2013
Reeditado em 10/09/2013
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