O Jardim

Andei, após esses dias de chuva intensa, sob o tapete lustroso do jardim central, aqui bem perto de casa, confeccionado para os expectadores da beleza translúcida e minimalista e aqueles que são curiosos acerca da arte da jardinagem, suas minúcias e delicadezas, bem como aqueles que pretendem passar algumas horas de distração profunda em contato direto com um negrume verde, imperecível. Não é, contudo, nenhum jardim botânico grandioso, mas isso não tem importância, porque, enquanto estamos lá, é como se soubéssemos que não existe jardim mais belo e magnânimo, mesmo porque, durante o dia, fez um sol maravilhoso despencando pelas folhas lustrosas, quente e terno ao mesmo tempo. E então andei, imperioso, por aquele jardim quase submerso numa rotina alegre e úmida.

Em verdade, é dificultoso descrever paisagens externas. O pensamento, em atitude egoísta, só quer explicar suas variâncias psicológicas internas, e esquece, na maior parte das vezes, de retratar o que existe externamente, voltado exclusivamente para o próprio umbigo de sua massa cinzenta. Portanto, é um ato de coragem fugir um pouco de mim e tentar visualizar e sentir paisagens exteriores, a magnitude em sua constância e desafio. O jardim e sua transparência luminosa.

Primeiro, já no jardim, passando por uma alameda verdejante, compreendi que os caminhos sinuosos também têm seu momento de felicidade impaciente, pois havia dois passarinhos amarelos, serelepes, que, enquanto avançava, acompanharam-me risonhos, cantantes, intensamente sinceros em sua (e minha!) presença. Imagino que os animais, ao contrário dos homens, são sempre sinceros, tanto em sua ferocidade quanto em sua docilidade, pois a dissimulação não os pertence, nem fazem questão desse hábito esdrúxulo.

Veio, então, de regiões remotas e insondáveis, vagando em minha conquista frágil, um sono profundo. O pensamento, aos poucos, silenciava, não carecia mais tentar compreender o mundo por palavras. Era como se o externo e o interno tivessem atingido uma sintonia fina, granulada de um equilíbrio remoto, aliciante, marcado por espaços ocos e sobretudo requintados em sua pureza. Não havia o que designar objetivamente. O mundo era assim mesmo, e isso, ao mesmo tempo em que causava espanto, era indiferente. Estava um pouco como Caeiro, sabendo enxergar sem emitir qualquer juízo de valor, afinal de contas, o pensamento, quando posto em atividade, é uma doença que faz você se sentir mais inteligente e perigosamente te afasta da realidade, essa que é a única e efetiva, que não precisa ser explicada nem compreendida. Simplesmente o homem e um jardim, equilibrados pela misericórdia do Criador.

Pois foi assim que fui, entre o sono e a serenidade interna, dando vazão às paisagens internas, sabendo da perfeita ordem do cosmos: não há ordem, nem tampouco desordem – estamos absortos, na maior parte do tempo, de nós mesmos, e, consequentemente, da realidade que nos cerca. Enfim, travados na mediocridade de nossos problemas, como se não existissem jardins que às vezes salvam um dia (e uma vida) de um ser humano.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 09/09/2013
Reeditado em 29/06/2014
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