Uma singela dedicatória

Abro o livro e encontro uma singela dedicatória: “Para meu amor Santinha, em 02-05-94. Com um beijo, Paulo”. O livro, emprestado numa biblioteca, é “Três faces da liberdade”, coletânea de memórias do diplomata, político e imortal Afonso Arinos Filho. Não é um livro fácil – Afonso faz a crônica da diplomacia brasileira, revivendo episódios densos como a queda do presidente Nixon e as retomadas democráticas na Península Ibérica após as ditaduras de Franco e Salazar.

Pergunto-me o que levou Paulo a escolher, entre tantos livros, justamente este para oferecer como sinal do seu amor a Santinha. Por que não algum Vinícius de Moraes, por exemplo? Chego a pensar que existe uma relação com o título, mas não atino qual seja – acho pouco provável que seja a sugestão de um amor livre. Reparo ainda que o livro foi editado em 1988, seis anos antes da dedicatória. Teria ele comprado o livro em um sebo? Seria este um livro muito desejado por Santinha e nunca encontrado? Mas então como explicar que ela tenha se desfeito dele?

Santinha não foi a primeira: as bibliotecas e os sebos estão repletos de livros com dedicatórias muito bonitas, mas que nem por isso foram levadas em conta no momento de doá-los ou vendê-los. Percebo que a biblioteca registrou o livro em 2003. Será possível que o amor de Paulo e Santinha não tenha chegado aos dez anos? Paulo chamou Santinha de “meu amor”, então a dedicatória não era uma tentativa de conquista – já havia algo. E, no entanto, não imagino que Santinha tenha sido capaz de se desfazer do livro se antes já não houvesse também se desfeito do seu amor. Passam-se muitas coisas em dez anos, afinal.

Ao observar melhor a data, veio-me à memória que era um dia após a morte de Ayrton Senna. O Brasil se entristecia, mas em algum lugar Paulo procurava demonstrar o quanto gostava de Santinha. Hoje tudo se desfez. Afonso Arinos foi parar numa biblioteca e depois na minha casa, onde inclusive foi abandonado no meio da leitura.