Mil
Ele já havia feito aquilo muitas vezes. Bastava escolher o canto certo, pular, esticar os braços e caso conseguisse tocar a bola, mesmo que levemente e desvia-la para outra direção, o problema estaria resolvido.
Só que aquela noite era diferente e tudo o que durante anos fizera com brilhantismo, pareceu-lhe mais difícil, uma missão quase impossível. Tinha diante de si um enorme desafio.
O duelo com aquele negro famoso, ídolo de multidões, artilheiro de fama internacional e que nunca falhava em situações como aquela, parecia mortal. Sentiu-se como um rei em tabuleiro de xadrez à espera do xeque-mate.
Mas ele conseguiria. Não havia saído de seu país para falhar justo agora, sabia de seu valor, de sua capacidade técnica e mostraria para toda aquela gente do que era capaz.
Beijou o crucifixo que retirou discretamente debaixo da camisa e tentou disfarçar o nervosismo de ser observado pelos milhares que lotavam o estádio naquela noite. Noite que mexia com locutores assanhados que aumentavam o volume e a velocidade de suas narrações, noite que a torcida pela primeira vez silenciou apupos e aplausos, noite que jornalistas, fotógrafos, gandulas e bicões aglomeraram se empurrando atrás daquelas traves. Enfim: uma noite histórica. E ele... E ele lá... Parado, estático, um simples homenzinho que o destino escolheu para estragar aquele momento festivo aguardado por todos. Isso o enchia de orgulho e responsabilidade.
Um filme, de terror, passou então rapidamente por sua cabeça quando percebeu que desempenharia o papel de bobo-da-corte, de incapaz, de mais um na estatística. Lutaria contra todo aquele enredo; sabia que era possível e com a ajuda dos deuses e de muito treinamento evitaria aquela presepada toda e ainda garantiria a tão aguardada convocação para a próxima Copa do Mundo.
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O árbitro soou o apito, ele não podia mais escapar. Escolheu o canto certo, o esquerdo, pulou, esticou bem os braços e conseguiu tocar a bola, mas de maneira tão fraca que não conseguiu desviar sua trajetória e ela acabou indo parar no fundo das redes.
Andrada, o goleiro do Vasco, falhara. Não conseguiu defender o pênalti, nem evitar o milésimo gol de Pelé e a festa, que avançou madrugada afora, não teve hora para acabar.