A chuvarada
A chuvarada que caía era aquela bênção que nos cobria. Plantas molhadas, o cheiro gostoso da água na terra, o ruído amistoso dela também escorrendo pelas telhas e o eventual copo dela, tomada escondida, sabendo a barro.
Da janela, se não houvesse ventania, a gente mirava as galinhas, estáticas, escondidinhas onde podiam, algumas chegavam até a enfiar a cabeça debaixo duma das asas para melhor se protegerem. E com pouco éramos nós também que íamos da euforia inicial àquele abatimento com a água torrencial.
Sem o recurso das galinhas e ainda sem a coragem desobedecer as ordens domésticas pra não meter o pé nas poças de barro e desafiar as enxurradas, restava a tentativa de atenção à alguma revista ou livro já surrado de conhecido, rabiscar desejos de desenhos num papel de embrulhar pão, e a inquietude, quase prece, pra que a chuva logo passasse. Já tinha valido a bênção.
Mas aí, por vezes, voltava a animação: era papai chegando da rua, todo enfarpelado com suas galochas, o guarda-chuva preto e cheio de novidades, mesmo das mais comezinhas que fossem. Afinal, tava na Bíblia que o homem vinha do barro,
O guarda-chuva, que ele teimava de chamar de guarda-sol, ia prum canto, geralmente nalgum ponto de saída, e lá fechado, encostado numa parede, ia soltando aquele jorro grosso, feito um mijo, que gradualmente se afinava, mas nunca parecia secar de todo de tudo. Com pouco era hora de preparar a bóia. Alguém tinha se lembrado de recolher a lenha?