Você Tem Fome de Quê?
Fila gigantesca, olhares que beiram a vesguice, aroma peculiar e argumentos de boca cheia. Sinto informá-lo, mas você faz parte da massa faminta que encontra no refeitório da empresa o calabouço para os desejos nutritivos. Se você é do tipo que defende o processo operacional do restaurante da sua organização, especialmente pela qualidade do grão de bico e maciez do pato angolano, saiba que este texto não lhe diz respeito. As próximas palavras indigestas desfilam sobre a pele do frango enrugada, o óleo que escorre preguiçoso, a lacuna gordurosa colada à carne desidratada e a mistura criativa que inspira os primórdios da reciclagem. Sabe do que estou falando? Então, mastigue alguns antiácidos e prepare-se para engolir o que vem a seguir.
Na ponta da fileira, os primeiros comentários ensaiam uma manifestação calorosa. Alguém critica algo inusitado que encontrou na última experiência, enquanto os mais tímidos repetem em silêncio: “Arroz. O segredo é pegar só arroz”. Existe ainda o perfil valente, que alisa as mãos e estala o pescoço enquanto imagina a melhor forma de equilibrar um bife e uma coxa de frango sobre a montanha de feijão. Independente do choro engolido, do nojo exaltado ou da bizarra água na boca, não há volta para quem confirma seu lugar na fila.
Ao atravessar a porta o calor abafado soca o estômago, que liberta o último grito de socorro. Pouco adianta. O falatório, dominado de clichês do tipo “Meu chefe é foda” e “Você viu a roupa de piranha dela?”, une as vibrações em uma única algazarra incompreensível. Munidos de bandeja azul-calcinha e pratos lascados, empurramos mentalmente quem segue se servindo. Um, dois, três, quatro... Começamos a contar as colheradas que nos farão sofrer de forma regressiva. Montamos um prato colorido com o simples objetivo de glorificar o entusiasmo nonocromático, mesmo sabendo que parte do monumento escorregará sua virgindade no lixo faminto. A sobremesa repousa no balcão sob o olhar repressivo de quem a controla. Mais fácil posicionar o comportamento raivoso de mais uma peça circense, do que transferir a despesa para uma produção que sacie os afoitos.
Enquanto mastigamos a indiferença, entupimos a boca e os olhos com identidade amarga. Alimentamos a falta de esperança com fatias de aceitação, engolindo a próxima mistura sem definir o sabor e molhando o pão no caldo choroso. Cruzamos talheres pelo temor de cruzarmos os braços, derrubando o próprio desânimo entre cada garfada. No final, entre arrotos espontâneos e bicudas estomacais, somos arrastados para fora pelo cheiro inconveniente.
Semana passada, recebemos mimos açucarados como comemoração para o feriado pascoal. Intimidados pelo controle voraz de quem distribuía, recebíamos o doce com uma mensagem sugestiva:
“(...) É hora de lembrar as pessoas em nossas vidas que fazem a diferença...”
Baseado nas cólicas estomacais, no desespero para entupir o próximo ônibus rumo ao shopping, no soluço intrometido e nas queixas engolidas a seco, posso confessar:
Vocês realmente fazem a diferença.