Crônica de Cingapura

E lá se foi março, com suas águas e sem mágoas. Trinta e um dias inteiros de plena Quaresma. Mas pelo jeito, nada

braba, afinal houve até carnaval cá, ali no Shangri-la. Sucesso que a cada ano se renova, a toda prova, para nenhum

Zezinho 29 botar adereços, ou atirar plumas e paetês.

Em nota das mais amenas, deixando penas apenas, retornaram ao Brasil durante o mês, os três: nossas araras azuis, e o Carlos Yamashita, do IBAMA. Elas,ao cabo de uma boa estada, e ele, de breve visita. As autoridades cingapurianas haviam apreendido as bichinhas em poder de um contrabandista e após longa batalha judicial comprovaram o ilícito, sentenciaram o perpetrador, e, em solenidade tocante, devolveram-nas ao nosso Embaixador. O evento se deu no Birds' Park, em manhã ensolarada, na presença de centenas de pássaros bem comportados, emplumados, e descontraídos cavalheiros, apenas engravatados. Já as araras - Lear's Macaws, distinção que aqui adquiriram - estavam impecáveis: traje a rigor, um primor, gala azulmarinho, um alinho. Na única nota discordante - quiçá em razão da emoção - o mestre de cerimônias não lhes

passou a locução, tagarelas que são por natureza e ofício. Entretanto, não deram qualquer sinal exterior de irritação,

mas, sabendo quem são, não é mera adivinhação: no fundo, no fundo, ficaram umas araras. Duas, aliás. E, feito elas

só, cada vez mais raras.(não chegam a 200 especimens). E a nós, gratos, ainda mais caras. Falar em Caras, não

esteve aí a tal revista para cobrir esse evento tão significativo.

Também com os talibãs dominando o noticiário e o meio de campo... Pois é, a situação no Afeganistão, cabalística, anda de enCabular. Primeiro surgiram eles como liberadores, os guerrilheiros barbudos, idealistas, mas à medida que vão ganhando terreno, em grandes levas, mais se aproximam das trevas. Porém, no seu isolamento internacional e nos seus retrocessos, e excessos, já havia algo de perversamente previsível: se com o pesado véu medieval cobriram as mãos e caras de suas próprias mães, mulheres e filhas, iriam deixar os gigantescos Budas de fora?

Passemos ao esporte, que esta é forte: o mais famoso futebolista britânico, Bobby Charlton, hoje Sir Bobby, escalou para a BBC uma seleção sua, de todos os tempos. A novidade é que relacionou doze nomes - qualquer correlação com os Apóstolos deve ser mera coincidência - mas

teve a prudência de não se escalar, ele que até mereceria um lugar, o décimo-terceiro. E lá vai o seu time: Gordon

Banks, Carlos Alberto, Bobby Moore, Beckenbauer e Duncan Edwards (ex-Manchester United, falecido no trágico

acidente aéreo de 1958, em Munich); Cruyiff, Di Stefano, Platini e Puskas; Pelé, Maradona > e George Best. Como

reservas, alinhou Schmeichel, Marzolini, Garrincha, Eusébio, Van Basten e Dennis Law. E para finalizar,

sentenciou: Di Stefano foi o melhor jogador de todos os tempos. O que me chamou a atenção, contudo, foram as

suas observações, transmitidas em um programa de 30 minutos, dirigido pelo excelente radialista Mike Costello.

Charlton prodigalizou-se em elogios às virtudes de todos os seus escolhidos, sendo surpreendentemente econômico

apenas em relação ao Pelé. Quando falou de Puskas então, atribuiu a essa locomotiva magiar a reação de certo

desdém com relação aos mil gols do Rei, em 1969, e que (Puskas) teria afirmado haver provavelmente chegado

àquela marca uns seis anos antes.

Veio-me à lembrança o embate nosso na Copa de 70, no México, face à Inglaterra, campeã de 66. Ganhamos de um a zero, jogo disputadíssimo. Colocado cara a cara com o gol, num passe magistral de Tostão, fez o tricordiano o que de artilheiro nenhum se esperaria: rolou para o Jair concluir. Gesto de maestro. Bobby só podia mesmo estar de costas para o lance.

E pintou por Cingapura o artista plástico brasileiro de crescente reputação Adélio Sarro. Com o apoio da Embaixada estabeleceu contatos com instituições, galerias e deu uma canja no National Arts Centre. Para uma interessada platéia, em rápidas pinceladas, falou de seu trabalho, suas tintas, suas influências. E ainda esboçou um quadro. > Sobre > seu estilo, não poderia ter sido mais cândido: Portinari é o seu mestre, sua > luz.

Outra eminente presença brasileira nesta ilha-Estado foi a do montanhista Gil Piekarz. Veio participar da cerimônia de lançamento da Everest-2001, oficiada pelo Presidente da República S R Nathan. Essa > expedição cingapuriano-latino americana é composta de gente competente e > intrépida. Trepador vertical, como se diria em Portugal. Que a subida lhes > seja leve.

E enquanto redijo estas notas, posso estar fora das rotas, mas ainda assim > dou de quando em vez uma espiada no céu, que é pra ver onde essa MIR anda, > tati by tati. Boa propaganda faz a Taco Bell: botou um enorme taco flutuante > no oceano, bem na mira dos dejetos da estação espacial cadente. Se se > acertar o alvo, dará um taco bell de graça para cada americano. Enquanto isso os russos envolvidos com a estação espacial é que perdem suas bocas. É > melhor ser brasileiro numa hora dessas. E mesmo em outras, até quando a nossa P-36, causando tanta tristeza e tanto prejuízo vai parar no fundo do mar.

Há mar que vem pra bem? Realiza-se em Santiago do Chile no finalzinho de março a Primeira Reunião > dos

Chanceleres dos países que integram o Foro dos Países da Ásia e da América Latina - FALAL. Significativo

acontecimento. Uma oportunidade para se discutirem em nível elevado problemas e propostas de soluções comuns

a esse amplo leque de países. Vai dar o que Falal. Ciao.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 04/09/2013
Reeditado em 20/04/2022
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