COISAS DE UM CONDADO

Era uma vez um condado no qual todos mereciam menções honrosas, certificados (até de papel de qualidade questionável), medalhinhas de honra ao mérito (devidamente aninhadas em caixas de veludo envoltas em fitas e fitilhos). Isto sem contar as paparicações e a menção a títulos e posições dos homenageados. Eu disse todos? Ah, sim, para ser justa preciso corrigir esta afirmação intempestiva e inconsequente. Digo agora: quase todos. Hum... Sei... Preciso exemplificar. Certo, exemplificarei, mas contando o milagre sem dizer o santo. Sou boazinha. O exemplo: além de merecidas homenagens, sim, merecidas, mas até certo ponto, dou o exemplo em que um empresário de lojas de molduras foi chamado à mesa das autoridades para ser agraciado. Que pena, o rapaz não compareceu, isto é mesmo uma lástima.

Naquele condado e naquela festa à qual o empresário das molduras não compareceu, houve algo interessante, para não dizer inusitado. Foi homenageado mais de uma vez (merecidamente também) outro empresário. Desta vez um renomado proprietário de instituição de ensino. Até aí tudo bem, mas o desacerto daquele brinde foi confundir o senhor com a Educação do Condado. Ora, ele prestou e presta uma contribuição à educação do condado, isto é fato. Entretanto, esse senhor não representa a totalidade da Educação de um condado. Representaria um pequeno percentual, tendo em vista a existência de inúmeras instituições mais antigas que a que lhe pertence e dirige. São estabelecimentos oficiais do governo geral do país onde o condado se localiza. Além do mais, é bom frisar que a educação de verdade não se faz em gabinetes de patrões, ministros, governos de qualquer porte. A Educação, na mais alta e ampla expressão da palavra se faz dentro da sala de aula e é promovida pelo regente, isto é, o docente, o professor.

E que festa foi essa que aconteceu naquele equivocado condado (desculpe a rima)? A festa, respondo, correspondeu a uma comemoração tríplice: o aniversário de instituição que parece se sentir acima das outras, pois tem a ver com a comunicação de massas; o lançamento de um objeto comemorativo do aniversário dessa mesma instituição e mais, o lançamento de um livro que prestigia uma artista (in memoriam) nascida em um rincão do mencionado condado.

A festividade teve início com o hino oficial do país no qual se situa, na região Nordeste, o tal do condado. Muitos convidados, autoridades, intelectuais de todas as áreas, políticos e outros convivas de todas as idades. Vieram os discursos, cada um sobre um tema. O primeiro abriu a solenidade a partir de considerações gerais acerca de tudo aquilo que ali estava sendo comemorado. O segundo prestigiou a instituição aniversariante e tudo aquilo que diz respeito à sua história. Pensei que fosse acontecer o terceiro discurso, mais específico, sobre a artista homenageada, mas não aconteceu. Logo se partiu para a entrega das placas comemorativas e o que já disse nos primeiros parágrafos deste texto.

O mestre de cerimônia chamava um a um os agraciados, inclusive, é bom recordar, aquele empresário doador das molduras, mas que não compareceu ao evento. Em termos de poses e clics, não faltaram as caras, bocas e sorrisos dos homenageados e dos que gostam de bajular um pouco, pois em condados esse pessoal nunca falta. A ala política foi também devidamente presenteada. Tudo merecidamente, preciso deixar patente para não caber reclamação.

Lá se ia a solenidade de vento em popa. E a professora que havia contribuído para que a obra lançada tivesse brilho, não era convocada. Vi, em seus olhos perspicazes, que o bom humor e o brilho com que chegou naquele auditório foi sumindo e sumindo... Ah, até para não esquecer, o presidente da instituição aniversariante, ao iniciar seu discurso, mencionou rapidamente os nomes dos que fizeram a obra acontecer. Passou pelo nome da professora como se fosse coisa alguma, pronunciando-lhe apenas os dois primeiros nomes próprios. Isto é, aquela era uma Maria Ninguém.

Observei tristemente que a professora, não particularmente afeita a homenagens, (pois mais que isto tem sido regiamente distribuído entre alunos que vencem concursos de redação ou mesmo a jogadores de futebol de várzea. Quando se trata de gente do tope de Neymar, tem muito mais brilho, pompa e circunstância.), foi se tornando opaca, murcha, humilhada, pisada, constrangida e devidamente lembrada do seu insignificante papel.

Para o bem da verdade e da justiça, esse ocorrido em um condado ridículo beira as margens da estupidez e promove constrangimento. Sem contar que, envergonha, não apenas a professora, mas a todos os professores da face da terra.

De tão atingida em sua personalidade e sensibilidade, a professora chegou a desconfiar que passaria mal naquele local onde nem uma fita da loja 1, 99 merecera. O que lhe sobrou foram duas filas de manchas roxas em cada coxa. Ou seja, além de não ter o seu trabalho sido valorizado e devidamente reconhecido, a professora foi também prejudicada em sua saúde.