A MORTE

De longe, é difícil discernir o que é essencial para uma vida. Só quando estamos em crise é que conseguimos visualizar com eficiência o que é imprescindível, bem próximos do fim. Às vezes, no último momento, à beira da morte, e ainda não tomamos a decisão definitiva, não perdoamos, não falamos a palavra certa para a pessoa certa, aquela que nos livre das angústias extremas e nos faça, leves, ir dançar nos braços da morte, sem as despesas que o destino acumulou, e agora vem cobrar, com juros e correção. Caso contrário, é muito difícil encontrar o segredo essencial de uma existência em suas extremidades, e os olhos ficam desassossegados, impacientes, procurando uma solução última, definitiva, que pode ou não falhar, e então partimos com as bagagens nas mãos.

Para muitos, essa fase final é uma longa preparação que dura praticamente toda uma vida, um construir aos poucos visando o último estágio, com método e rigor, para que nada, enfim, fique faltando, aquele tijolo posto errado na construção. A maioria jamais pensa sobre isso, ignorantes inconscientes e alegres inconsequentes. Outros não só imaginam, como ensaiam mentalmente, premeditando o fim com notável capacidade inventiva, elaboram discursos de despedida, a extrema unção etc.

No entanto, todos nós estamos submetidos ao acaso, de modo que o inevitável fim não será exclusividade de alguns e felicidade de outros que conseguiram fugir. Viver bem significa preparar-se para não levar da vida aquilo que ela, por si só, exigiu ao longo do caminho, de suas aventuras errantes. Não ficar com sobras na mão, quando a morte vier te buscar a qualquer momento, a qualquer idade, em qualquer lugar (geralmente é numa cama de hospital, com tubos horríveis por todos os lados). É estar limpo de corpo e espírito, pronto pra embarcar. É construir sua individualidade e individuação olhando para dentro, não se importando com a construção alheia, que possui castelos frágeis, talvez mais frágeis que o seu, e que, se ruir, também procurará fazer com que o seu despenque. Essa é a sabedoria.

E compreender isso um pouco antes do fim, com sinceridade e honestidade, é viver com mais intensidade e prazer os momentos raros e simples ao sol oferecidos por Deus, Acaso, Destino – chame como preferir –, e que aquela, quando vier, encontrará a mesa arrumada, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 03/09/2013
Reeditado em 29/06/2014
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