Capítulo12

O dia tinha amanhecido cinza e anunciava que em breve castigaria a cidade com uma tempestade. “Maldita época do ano” pensava Marco na sua mesa que ficava de frente com a de Caio.

- Você acha que vai chover hoje? – perguntou Marco.

Caio levantou os olhos e olhou pro parceiro.

- Isso é porque você não tem o que fazer? – respondeu sorrindo para Marco, que refletia um pouco sobre sua frustração.

- Eu to incomodado por saber que mais três pessoas podem morrer ainda, se já não morreram. O que você ta fazendo?

Caio olhou para o parceiro e o chamou para sua escrivaninha afim de que visse no que estava ocupado. Marco foi até o parceiro e viu um bocado de rabiscos e um mapa da cidade com algumas marcações de tinta vermelha. Caio começou a explicar no que estava pensando.

- Se você notar – começou ele com uma caneta apontando no mapa os locais marcados – aqui são os locais onde as vítimas moravam. O que você percebe?

- Todos são bairros nobres? – perguntou ele.

- Ta! E o que nós temos em comum com nossas vítimas?

Marco assentia com a cabeça.

- Homens! Com dinheiro – Marco ia falando e Caio fazendo sinal para que continuasse – Militares...

- Isso, mas se você não for a fundo você não chegará a lugar algum – disse ele como se desse uma valiosa lição ao parceiro mais novo e inexperiente – São todos militares de baixa patente: três soldados e um sargento, nenhum oficial. De onde esses caras tiraram tanta grana eu não sei, podemos tentar saber sobre transferências, eu soube que se ganha bastante dinheiro com elas. Sabemos que ele só está matando militares do exército, nada de aeronáutica ou marinha. Agora eu tenho duas hipóteses sobre que tipo de pessoa é o nosso homem: ou ele é um militar daquele tipo que nunca foi promovido e está matando essas pessoas em ordem ascendente de hierarquia: começou com soldados e agora está em sargento, engraçado que ele pulou cabo, então acho que é uma posição que ele respeita.

- Ele pode ser um cabo – concluiu Marco – e a segunda hipótese?

- Ele pode ser um civil que não ingressou nas forças armadas e tem raiva deles por isso. Disse “Selva, companheiro!” pro soldado Oscar Santos como uma forma de ironia do tipo: “queria ter a honra de poder falar isso!”.

Marco começava a raciocinar como o parceiro.

- Isso não nos leva á lugar algum, Caio – disse ele – estamos aonde começamos: ou ele é militar, ou não! Isso é óbvio. Acho que devíamos nos prender ao número sete. Ele vai matar mais três e já matou quatro, mas usou o termo “honrar”, será algum maluco que nem o Inquisidor? Aqueles doidos que estão em uma missão espiritual, saca?! Além disso, ele quer ser preso, disse pra Fernanda que iria se entregar quando tudo estivesse terminado. Esse senso de honra, acredito que seja alguém de dentro do exército e não de fora, esses soldados não têm culpa de nada, são inocentes ele deve estar querendo provar alguma coisa...

Caio assentiu, tudo indicava para um militar. O telefone tocou na mesa dele e ele atendeu, pedindo com o dedo silêncio ao parceiro.

No outro lado da linha estava Alice, a esposa do sargento Paulo Lopes, estava assustada e disse que alguém havia mexido nas coisas do marido.

- Vocês têm que ver isso. – disse ela no outro lado da linha.

Caio e Marco pegaram suas jaquetas e saíram em direção ao Vectra verde.

A casa estava sendo esvaziada, Alice havia chamado uma transportadora para fazer a mudança. Caio e Marco chegaram e viram quatro carregadores sentados ao jardim sob a sombra de uma árvore enquanto almoçavam, os detetives cumprimentaram-nos e só um respondeu, com um sorriso e um aceno de mão, os outros apenas olharam e concentraram-se de volta nas marmitas.

Os investigadores entraram na casa e passaram por Lucas, o filho de Alice. Caio perguntou pela mãe do garoto que indicou onde ela estava e como agradecimento recebeu de Marco um afago na cabeça. A casa era realmente grande por dentro, tinha cortinas por todas as janelas que deixavam um cheiro forte de mofo no resto da casa, nas paredes ficavam alguns quadros que o sargento deveria ter comprado para agradar a esposa, mas Caio decidiu que definitivamente não combinava com a casa. As paredes eram brancas e o chão era de carpete vermelho. Eles subiram para o segundo andar da casa.

Alice estava sentada na cama de casal que fora dela e do marido, mal havia começado a curtir o casamento e já era viúva, seu mundo todo estava girando. Apesar dos rápidos quatro meses de casada, ela estava com Paulo há quase dois anos e gostava do homem que a tirou daquele mundo de drogas e violência. Ela vestia apenas um roupão de banho branco que dava um contraste com a pele mulata da mulher, ela estava acabada, mas cumprimentou os detetives com um aperto de mão firme e foi a mais atenciosa possível, guiando os dois até um quarto onde Paulo guardava medalhas, troféus e fotos antigas.

Ela entrou no quarto e foi até o centro da parede em frente a porta.

- Eu estava arrumando hoje, sabe? – começou ela de costas para os dois – Não tenho mais condições de morar aqui, não é nem pelo dinheiro, mas vou me lembrar dele, sei lá... é complicado.

- Entendo – disse Caio - O que foi que a senhora notou que estava faltando?

“Sempre direto ao assunto” – pensou Marco.

Ela não se incomodou em não precisar se estender, na verdade, era muito doloroso falar daquele assunto e ela preferia encerrar tudo aquilo.

- O Paulo era um sargento que fez o curso do CIGS, o...

- Curso Integrado de Guerra na Selva – adiantou-se Marco. Alice olhou para o detetive, reparou que ele era bonito, tinha um corpo musculoso e bem trabalhado, mas repreendeu-se por reparar naquilo, apenas concordou com ele.

- Então vocês dispensam apresentações, não?... Tudo bem... – continuou ela – como ia dizendo, ele se formou em 2005 como primeiro da turma e, por isso, recebeu uma placa de madeira com uma onça grafada, o símbolo do CIGS. Ficava bem aqui – disse ela apontando para o vazio na parede.

Caio fazia anotações enquanto Marco reparava no quarto e nos troféus bem polidos e nas fotos antigas, incluindo um da Infantaria da EsSA, a Escola de Sargentos das Armas, mas não conseguia identificar Paulo Lopes no meio de quase quarenta pessoas.

- A perícia não encontrou digitais? – perguntou Caio á Marco, enquanto anotava em seu bloquinho.

- Nada – disse ele – nem na casa e nem no corpo. Ontem a balística me ligou, disse que o tiro foi de uma distância menor do que duzentos metros, mas não conseguiu nada além disso, nenhum resquício de pólvora e também não encontraram o estojo da bala, o projétil era de um rifle de precisão 7,62mm mas tava com o número raspado, então não deu pra identificar.

Alice não deu muita atenção para o que eles falavam, não pelo fato de não entender e sim porque não conseguia se concentrar em nada, desde a morte do marido. Foi até uma jaqueta camuflada que estava em cima de uma mesinha e chamou os dois detetives.

- Ele também levou isso aqui – disse ela apontando para a manga direita da jaqueta. Marco notou que algo havia sido cortado de lá, devido á linha branca que tinha sido utilizada para fixar o que quer que seja. – Aqui tinha um símbolo do CIGS, com a onça e tudo o mais, só que o desgraçado arrancou – ela começou a chorar – eu não sei por que ele fez isso.

Caio e Marco se entreolharam, isso era rotina na vida de investigador.

- A gente vai dar um jeito, dona Alice, não se preocupe. – disse Marco tentando acalma-la.

Caio e Marco estavam de volta ao Vectra, haviam deixado a casa do sargento para trás e a pesada chuva recomeçara, dando um aspecto depressivo na cidade, algumas ruas estavam alagando e eles resolveram parar no café de sempre para espantar o frio e esperar a maldita chuva passar.

Ao entrar, a mesma senhora de sempre veio atendê-los e eles pediram dois capuccinos. O pedido não demorou á chegar, o ambiente dentro do estabelecimento estava aconchegante, eles haviam desligado o ar-condicionado, ou pelo menos diminuíram a intensidade.

- Cara – disse Marco e provou o capuccino - alguma coisa está bem ligada á esse CIGS. Pelo que a Fernanda me disse, só quem fala esse “Selva” são os caras que fizeram esse curso, é tipo uma forma de cumprimento deles.

- O Oscar Santos fez CIGS? – perguntou Caio.

- Não, ele era soldado, segundo a Fernanda, somente sargentos e acima podem fazer o curso.

- É, então não teria razão para o nosso homem ter dito para um soldado que não fez o curso.

- Eles não falam somente entre eles, eles cumprimentam qualquer um assim. Eu aposto um mês de salário como nosso homem é do CIGS. Temos que ir atrás das pessoas que fizeram esse curso, com certeza, uma delas vai ser quem a gente procura e talvez até mais alguma vítima.

Caio concordou.

- Você pode ficar encarregado de tentar conseguir essa lista com a nossa amiga?

- Claro, Caio – disse Marco feliz por estarem saindo do canto.

- Eu só queria saber o porquê esse cara ta matando todo mundo.

Ace
Enviado por Ace em 12/04/2007
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