Sobre Karma, uma mosca e um chá
Desde que me insinuei no budismo a ideia de karma sempre pareceu abstrata. Mas se a vida ensina algo é que a concretude conceitual sempre chega.
E chegou numa mosca.
A mosca voava faceira pelo quarto. Irritado com o zum-zum, procuro uma arma. O que tinha mais próximo era o livro que lia. Há de servir. O seguro sobre a cabeça, com as duas mãos, tal qual um samurai empunharia sua espada. Em posição de ataque aguardo o momento de descuido de meu oponente. E quando ele acontece, zam! Uma livrada em cheio derruba a mosca em pleno voo – atitude não lá muito budista, mas ok.
No chão, ela fica cheia de tremeliques agonizantes. Já já ela morre, penso eu antes de voltar aos estudos, me furtando assim à nobreza de desferir o golpe fatal que encerraria de maneira honrosa a vida daquela mosca.
E minutos depois, quando eu ia esquecido dela, olhos fixos no livro(agora aberto sobre a mesa), pelo canto do olho noto que um pequeno ponto passa veloz. E quando dou por mim, bem dentro da minha xícara cheia de chá – ainda fumegante, recém-saído da chaleira -, lá está a mosca com seus tremeliques. Contra o fundo verde-claro do líquido nota-se facilmente que a asa direita está deslocada, certamente resultado da livrada e mais certamente ainda a causa daquele voo desastroso em direção ao meu chá – agora irremediavelmente maculado.
Em um quarto de alguns metros quadrados a mosca girou até caiu num recipiente de talvez uns 10 centímetros de diâmetro.
Só pode ser karma, concluo. Ou é karma ou essas moscas são bichinhos bem sagazes.