"O Risadinha" - Crônica dos tempos da infância

Acho que uma das coisas mais legais da vida é conversar e rir, sem pressa, sem compromisso ao lado de quem se gosta e admira. Num desses momentos num encontro entre amigos de longa data um amigo meu, ele me contava de como sua infância foi difícil e ao mesmo tempo, muito divertida. Uma mescla que segundo ele, garantiram impactos significativos em sua formação e reflexos permanentes sem na vida adulta. E o que ele me contava na ocasião era e especialmente sobre suas experiências na escola sendo que uma delas vou tentar relatar aqui mais precisamente que eu conseguir me lembrar:

“Na minha época, a gente não chamava professor de "tia" ou de "dona".Era somente "Sr"ou "Senhora" ou no máximo seguindo sugestão de algum professor que talvez se sentisse envelhecido com tal pronome de tratamento ou pra dar um ar de professor moderno descontraído, pedia que somente o chamassem de Professor fulano de tal.

Eu tinha um apelido na escola que me perseguiu por muitas séries.Era até algo diferente, nada pejorativo, humilhante nem mesmo em dias atuais com o tal de bullying tão mostrado nas mídias em geral. Não seria problema em se ter tal apelido.Na verdade eu não ligava.Achava legal.Eu ria.Aliás, ”Risadinha” era meu apelido.Sim, me chamavam de risadinha.Eu ria de tudo.Ria a toa a toa...Ria alto, ria inocente.Ria sem motivo algum.Mas eu ria.Os alunos metidos a engraçadinhos em sala de aula eram minha fonte farta de gargalhadas. Até hoje, não sei o motivo de eu rir tanto.Talvez fosse pelo fato de eu ter passado muito tempo internado com uma doença crônica que ameaçou até mesmo que eu freqüentasse as aulas normalmente, ou talvez pudesse ser um excesso de timidez mesmo.Sei lá...Mas eu queria participar, me destacar de alguma forma.Mas era muito envergonhado e talvez rir, me tornava de certa forma parte do grupo.

Mas uma coisa eu aprendi ainda pequeno: rir nem sempre é bom.É, vou explicar.

A Sra. Matilde, nossa digníssima professora de matemática, fazia jus à fama que professores de matemáticos eram os mais bravos.E ela era mesmo.Todos tinham medo dela.Já a matéria parecia assustadora por si só e mais uma carranca da professora fazia que sua presença fosse notada imediatamente quando entrava na sala.E tinha outra coisa:sempre chamava atenção sua maquiagem exuberante.Um dia ela chegou um pouco atrasada, chovia muito.Percebia-se que ela tinha corrido muito pra chegar a tempo.Seu material estava molhado, assim como suas roupas também.Quando o rosto dela ficou de frente, a classe todo ficou em silêncio.Mas eu, o Sr.Risadinha aqui, desabou em gargalhadas.A maquiagem dela havia borrado, escorria cores pretas dos olhos que pareciam lágrimas sombrias.O vermelho do batom se estendia até as bochechas.Era algo assustador de se ver.Todos até sentiam pena vendo ali o semblante de tristeza da Sra. Matilde que lamentava que seus livros e cópias de exercícios para atividade em sala naquele dia estavam todos molhados.Tudo perdido.E todos em silêncio observava aquela cena exceto o Risadinha aqui que não conseguia parar de rir com aquela cena.Ela ficou em silêncio, assim como o restante da sala que de alguma forma que eu não consegui, soube reconhecer naquela senhora o esforço de vir dar aula debaixo de uma tempestade da qual tinha molhado e muito suas roupas e seu material esses dos quais ela chacoalhava e tentava secar com tristeza intercalando gestos de limpeza em seu rosto.Depois de muito tempo, parei de rir.Demorou depois de um bom tempo de risadas que não era motivo pra rir.A aula iniciou e continuou normalmente.Ao término da aula, todos alunos saindo, eu recolhendo meu material para fazer o mesmo quando a Sra. Matilde olha pra mim e disse:

- Você não, mocinho. Aguarde aí em sua carteira – falou ela fixando o olhar em mim.

Minha barriga gelou. Meu deus! Eu to expulso agora... Minha mãe vai me matar! Ela nunca tinha feito isso nem mesmo com os alunos mais problemáticos da sala. A coisa era séria.Muito séria.Tô perdido.

Então, ela se aproximou, já com o rosto não mais borrado.Não era nada engraçado.Eu nunca tinha visto ela sem maquiagem.Parecia outra pessoa.Dessa eu vez eu não ria -eu tremia.Eu estava apavorado.Sabia que havia chegado a minha hora.

- Abra seu caderno – disse ela

Obedeci.Nem era louco de questionar.

- Escreva em três folhas a seguinte a frase: "NÃO SE DEVE RIR EM SALA DE AULA".

Peguei a primeira caneta que encontrei jogada no fundo da mochila comecei a escrever.Ela voltou a sua mesa e ficou me observando.Mesmo eu não ter parado um segundo sequer de escrever, eu pressentia que ela me observava pagando meu castigo por eu ter debochado dela na frente de todos.Quando eu vejo aquela abertura do seriado americano “Os Simpons” e vejo o personagem Bart escrevendo na lousa que sempre muda quando ele apronta uma, eu sempre me lembro que já passei por isso e acho que escrevi muito mais que ele. Cada folha tem sessenta linhas, frente e verso. Foram cento e oitenta vezes escritas a mesma frase.

Quando terminei, fui até a mesa dela.Mostrei as páginas todas cheias das mesmíssimas frases repetidas linha após linha. Com as páginas ainda presas ao meu caderno e de cabeça baixa, estiquei o meu braço como se o caderno fosse a extensão do meu corpo.Me sentia envergonhado.Aceitei o meu castigo. Afinal, percebi que eu merecia.

- Não precisa destacar a folhas. Eu não vou precisar corrigir isso.Acho que já está fixado na sua cabeça - Disse ela.

Sim, sim.E ficou.Até hoje.Nunca mais ri a toa nem em sala de aula, nem em lugar nenhum.Não sou uma pessoa carrancuda e antipática por causa disso também.Sou uma pessoa que ainda sorri até mesmo em dias chuvosos como naquele dia.Mas sei rir no momento certo e do motivo certo.

Me respondam agora amigos, como seria essa mesma situação nos dias de hoje em sala de aula?Que professor aplicaria um castigo desses, por mais simples que seja, no intuito apenas de fixar na mente de um aluno meio desorientado nos dias atuais sem correr o risco de ser discutir com o próprio aluno ou ser ameaçado pelos próprios pais?Pensem.

Mas eu sim, agradeço a educação tanta matemática da Dona Matilde que de alguma forma, contribui certamente para que hoje eu seja este Administrador de Empresas pós graduado em finanças e que também ensinou de lições pra vida e de uma maneira muito simples, porém bem contundente que tudo tem seu momento certo e que se deve dar o devido valor ao esforço dos outros."

Ludeletras
Enviado por Ludeletras em 02/09/2013
Reeditado em 14/04/2015
Código do texto: T4463495
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.