Seco agosto da vida
Assolada pelo vento, os Campos da Vacaria recebem agosto. A poeira, o ar seco e a pressa toma conta das ruas e das pessoas. Se celebra a Abadia nestes dias de horizontes enfumaçados. A cidade cresce, o campo se movimenta. A dança da população segue o ritmo que agosto nos tem proposto.
Agosto: que má fama carregas contigo! Dá-se o fim do ano, mas não o fim dos teus dias! É o que se ouve por aí... Duras não mais que alguns outros meses, no entanto, o peso de teus dias parece atrasá-lo a passagem. O arvoredo sinaliza a direção do vento carregado de poeira todo o dia desde a madrugada todos os dias para um lado diferente e nem mesmo o barulho da ventania veloz abafa o tic-tac do relógio em tuas tardes ensolaradas.
Até mesmo o coqueiro mais alto e convencido se dobra ao sol e ao vento de agosto. Indeciso e radical, passamos do frio mais intenso a calores insuportáveis harmonizados tão somente pelo ar seco e acompanhado pela incessante sinfonia de espirros. Este espetáculo não tem intervalos para que se molhe a garganta e o espírito, afinal de contas agosto não rima com chuva ou água.
A cachorrada na rua late quase louca. Uma coruja pousa na placa de PARE e grita alto. O vento sacode a quaresmeira. Ruídos da festa da padroeira chegam até mim, do outro lado da cidade e uma série de orações me vêm à cabeça. Não é instigante este encontro da Abadia com o mês que mais mete medo no ano? Depois disso, um portão range lento lá fora, de meu leito não ouso levantar, salvo para espiar a noite fresca que se aparece para ninguém admirá-la.
Às campinas secas e seus tons amarelo-esverdeados são esporadicamente atingidas pelo fogo das queimadas, que espantam os tatus que vão a morrer no asfalto ou pelas balas de uma espingarda à espreita: será seu destino? O preto do mato queimado descontrasta com o que os olhos esperam ver na paisagem interiorana. Olhos estes que secam logo e ardem, parecendo não querer mais ver tal cenário de sequidão.
O chão sedento pela água não tardará a receber sua recompensa pelo período de privação. Lá pro último trimestre do ano a lua usará as valetas antes secas como espelho d’água e encherá os olhos, aqueles mesmos que antes se fechavam porque ardiam. Pelas ruas, poeira baixa e barro nas esquinas: Novas provações, agora úmidas, as quais dão a entender que, agosto da vida, em qualquer temporada pode-se viver o mês do cachorro louco.