Meio Dalton Trevisan
Não fico bem em foto. E pelo mesmo motivo que não fico bem em espelho. É uma opinião parcial, admito. Mas tem sido suficiente para que eu raramente me posicione diante de uma câmera. Às vezes não tenho como escapar. Na última semana me obriguei a fazer um ensaio fotográfico. Daria uma entrevista e precisavam de uma foto minha pra ilustrar as bobagens que eu falasse. Pois eu não tinha foto, e mais: não tinha quem me tirasse uma foto.
Fosse alguns anos mais cedo e seria mais fácil. Aos dois anos de idade, por exemplo, minha entrevista seria ilustrada por uma imagem muito engraçadinha: eu me acabando de rir em uma cadeira de bebê, com um guardanapo colocado (não por mim) na cabeça. Aos cinco, eu enviaria uma em que estou em cima da bicicleta que havia acabado de ganhar. Nesta eu sorrio sem sequer estar olhando para a câmera. Ao fundo, piscam as luzinhas de uma árvore de Natal.
Por esse tempo meu cabelo era loiro. Conforme foi se acastanhando, fui ficando meio sem jeito, perdendo a naturalidade, ficando mais sério. Passei uma adolescência longe das fotos. Na carteira de identidade tenho 17 anos e ostento uma inexplicável barbicha. No ano seguinte tive aulas de fotojornalismo na faculdade. Aprendi a revelar filmes, li “A Câmera Clara”, sabia o que era plunctum. Gostava de fotografar, mas não de ser fotografado. São raras as minhas fotos com a turma. Meio Dalton Trevisan, sabe. De lá pra cá, assumo apenas algumas fotos tiradas para perfis de redes sociais, sempre tentando uma pose intelectual, usando uma estante cheia de livros ao fundo.
Mas eu precisava de uma foto nova, e arrastei como fotógrafa a mesma amiga que um dia já havia arrastado como companhia numa endoscopia. Éramos amadores, não prestamos atenção no reflexo dos vidros, e o sol não quis cooperar, pois logo se pôs. Mas tiramos. Mandei algumas e torci para que saísse sem foto. Saiu com. Agora estou lá, para sempre estampado em um jornal que poderá ser consultado daqui a séculos.