Por favor, queria ajuda. Qual crônica é melhor?

Lembro quando aprendi a aguar as plantas do quintal. Naquela época ainda se privilegiavam os quintais de terra, com horta e árvores, além das ornamentais. E morávamos numa casa pequena, destas que ficam lá no fundo de um terreno grande e comprido. Para mim, aliás, era mesmo grande e comprido, pois morei ali em minha primeira infância, época da vida em que tudo parece muito maior do que realmente é.

Num daqueles fins de tarde em que minha mãe se dispunha um tempo para banhar as plantas, pedi para fazê-lo. Ela me entregou a mangueira e ajustou o esguicho. Imediatamente direcionei o jato de água para o alto, para que molhasse as folhas. Queria vê-las bem verdes, refrescadas pela água em forma de chuva. Minha irmã mais velha, que estava perto, me passou um leve pito, seguido da explicação de que não se fazia daquele jeito; as plantas deveriam ser aguadas somente na terra, “porque é a raiz que precisa”.

Quanta frustração. E foi tamanha que jamais esqueci. As pobrezinhas só sentiam gosto de água nas folhas quando chovia. Pensava que sofriam, ainda mais nesta cidade que sempre viveu embaixo de pó da usina. E é claro que só respeitei a regra estabelecida enquanto não tive minha própria casa, minhas próprias plantas, sobre as quais hoje faço chover com vontade quando abro a mangueira. Depois de um dia se sol, elas ganham um banho refrescante no fim da tarde. Posso ver dezenas de sorrisos verdes na varanda e no quintal, as gotas escorrendo pelas folhas, que balançam ao contato com o jato de água.

Um tempo atrás um amigo me disse: “Você gosta mesmo deste hobby de cuidar de planta, né?”. Ao que respondi: “Não é hobby; é vida dentro de casa”. No instante em que respondi recordei uma pessoa conhecida, vítima de câncer, a quem minha irmã visitou anos atrás. A doença a deprimiu a tal ponto que se recusava ao tratamento. Ela emudeceu, se trancou em casa. E de lá minha irmã voltou com observações desanimadoras a respeito do ambiente. “A casa é fria, seca, sombria; não tem uma plantinha. Tudo lá é muito triste.”.

“Não tem uma plantinha.”. É uma consideração significativa para aquela situação. Tão bonita e fresca fica minha varanda e meu quintal durante e após a rega das plantas. Tão gratificante vê-las crescendo vigorosas, bem verdes, adaptadas. Tão revigorante e ao mesmo tempo relaxante olhá-las por longo tempo quando estou angustiada ou ansiosa. Vida dentro de casa. É bem por aí.

Ou

Escrita súbita

Hoje eu aprendi o que é escrever. Quando eu tentava, outrora, não era um iniciante, pois para tal deve antes mover-se ao outro lado da Terra. Um iniciante não domina as palavras, mas as conhece. E isso eu o fiz ontem. Aprendi a conhecê-las.

Estava sentado, simplório, despretensioso. Como diria Nelson, um“ bonachão” . Era fim de tarde, por volta das cinco e meia, o meu horário aristocrático, nobre. Assim como o ato de escrever, que tem seu garbo, é certo.

Pois bem, o sol batia nos meus olhos, molhados pela a ardência criada por um vento gelado, aquele mesmo vento que arrastava os passarinhos de volta a seu ninho, para então aguardar um novo outro dia, quando deixariam o divórcio da noite e estariam novamente casados com o dia, o trabalho; estes sim são nobres. E por reinventar a nobreza, eu me descobria, me achava nas telas do computador. Fora ontem mesmo que meu professor havia dito: “Só se encontra quem está perdido”. Eureca! Eu finalmente me entendi.

Mas meus olhos ainda doíam, o sol brilhava e mostrava-me que ainda havia esperança. Um carro passou, uma mãe levava sua filha para brincar no parquinho de areia. Alguns irrompiam em suas carruagens, cheias de ornamentos mecanizados, frutos de épocas tristes de revoluções. Liberdade, igualdade e fraternidade! Mas só para os chegados, só para quem não for contra nossos discursos, ideais e comprar nossas máquinas. E por falar nelas, passava uma outra carruagem, mais bonita ainda. Essa voava, estava levando pessoas desconhecidas para um lugar desconhecido. Eu a vi de longe, e senti como estou rendido, como lá do céu ela cospe seu desprezo por mim e esvai-se em forma de barulho. Some nos céus e me deixa a lembrança vaga de que um dia a dominei, mas hoje é ela quem me domina.

Um passarinho passa novamente, minha esperança ressurge. Ouço, em fones de ouvidos velhos e sombreados pela sujeira, uma sinfonia de Pachelbal. “ Great” ! Um estrangeirismo está invadindo minha crônica!

Olho o celular, concentro-me no horizonte. Agora alguns minutos já se passaram. Ainda se vê o sol, mas ele está tímido, perto das nuvens. O vento diminuiu, a mãe agora ensina sua filha a ler. Alguém está chegando do trabalho. As empregadas preparam-se para tomar uma máquina – essa os donos das outras, oligárquicos, disseram que foi feita exclusivamente para elas. Carrega umas 30 de uma vez! O estranho é que nessas não se vê lugares para todas. Mas isso me disseram que é fruto das revoluções. Um dia quem sabe irei entendê-las. Mas enfim, homens vestidos de azul recolheem os lixos, alguns meninos, cheios de deveres de casa, jogam bola na quadra da esquina, escondidos de suas mães. Uma bela mulher ostenta seu cão. Mulheres preparam os jantares e acendem as novelas. A música se acaba. Está aprendido como se escreve, ou melhor, como um iniciante escreve.

Gabriel Malheiros
Enviado por Gabriel Malheiros em 02/09/2013
Código do texto: T4463261
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