A vida tolerável
Obama pede autorização ao senado norte-americano para bombardear a Síria. Pessoas mandam-me convites para assinar uma petição: “Ou o Congresso acaba com o voto secreto, ou o voto secreto acaba com o Congresso”. Uma amiga está triste, diz que é uma longa história que envolve seus pais, seu jeito de ver a vida e um conflito imenso de valores e gerações. E eu próprio, constatando a significativa diferença entre esperanças e resultados, deixo-me estar cabisbaixo e meditabundo. Vivêssemos nós no admirável mundo novo e nesta hora já teríamos todos engolido um grama de soma.
A droga inventada por Aldous Huxley proporcionava ao homem uma fuga da realidade sem efeitos colaterais. Todas as vantagens do Cristianismo e do álcool e nenhum dos seus inconvenientes, dizia um personagem. Podia ser tomada sempre que desejassem, sem a menor dor de cabeça ou mitologia. Ao final do dia os trabalhadores faziam fila para a distribuição diária de soma, remédio que tornava a vida tolerável e garantia a estabilidade social. O soma também acabava com a angústia do tempo ocioso. Garantia um descanso feliz.
O que Huxley, em sua tentativa de antecipar tendências da humanidade, chamou de soma, nós hoje conhecemos como internet. Pelo menos, é a ela que mais temos recorrido na tentativa de curar os nossos dissabores diários. Na história, toda a Irlanda foi submetida a um regime de apenas quatro horas de trabalho. Sem saber como gastar o resto do tempo, recorria-se ao soma, da mesma forma que hoje entregamos à internet nossas horas livres. Todo mundo tinha um comprimido à mão, assim como hoje podemos estar on line em toda parte. Não há mais pessoas desagradáveis, conversas chatas, sentimentos tristes ou questões metafísicas quando se tem acesso à internet pelo celular. Tal é o progresso em que, como aos velhos da história, já não há um momento de ócio para furtarmos ao prazer, nem um minuto para nos sentarmos a pensar. É um admirável mundo novo que encerra criaturas tais.