Uma História de Elevador

É um novo dia e sem reclamar ele se prepara para trabalhar.

Silenciosamente começa a descer os trinta andares do prédio onde vive desde que nasceu.

Quando chega ao 28º andar recebe a companhia de dois estudantes e ouve as lamúrias dos meninos com a mãe ao se despedirem. Ele vê essa cena se repetir de segunda a sexta, mas sabe que no sábado é a mãe que reclama por acordar cedo para levá-los ao clube de natação.

Já no 25º aguarda tranqüilamente o ancião. É dia de pagamento, pois nos últimos cinco anos, desde que se aposentou, ele só levanta naquele horário para enfrentar a fila do banco. Pacientemente ouve as queixas sobre o desrespeito com os idosos e as condições que são submetidos.

Firme, nosso amigo prossegue...

Hoje o executivo que mora no 20º não veio, será que perdeu o horário pela primeira vez em vinte anos de trabalho?

Mais abaixo, no 18º andar entram duas amigas de infância que sempre contam as novidades do prédio.

Ele fica sabendo que o morador do 20º teve uma crise de pressão alta e foi internado. E que na festa de casamento da filha da moradora do 16º só teve bolo e guaraná.

No 15º chega alguém com pressa reclamando que vai perder o vôo... Sempre tem alguém atrasado e são sempre as mesmas pessoas. Deveriam acordar mais cedo ou não usar relógios para não se preocuparem tanto!

O síndico mora no 10° andar e quando acorda cedo é porque algo não vai bem no prédio e ele precisa tomar alguma providência antes de sair para o escritório. No prédio só o síndico houve tantas reclamações quanto ele.

A viagem está chegando ao fim, mas ainda tem espaço para o casal e seu filho de colo.

Ele os conhece desde o tempo em que eram namorados e ficavam viajando de um extremo ao outro do prédio quando queriam beijos mais ardentes...

Discreto, mantém sigilo desse e de muitos outros segredos. Ao longo dos anos testemunhou brigas e reconciliações, desilusões amorosas e paixões ardentes. Sorrisos e lágrimas.

E quem, se não ele, tem disposição depois de um dia exaustivo de trabalho ir ao encontro dos jovens que chegam alegres das festas as duas da manhã?

Muitas vezes passa desapercebido por aqueles mais distraídos, porém quando está ausente todos sentem sua falta e chamam por ele.

Só que hoje ele amanheceu mais triste, pois ouviu dizer que iriam substituí-lo, que não era mais belo e nem preciso em seu trabalho.

Será que também ele estava sendo vítima da beleza globalizada, que padroniza, massifica e descarta sem perceber que a beleza está justamente na individualidade e na diferença?

Sim, ele reconhecia suas limitações e que andava descuidado mas lhe bastava encontrar uma fada madrinha,que dando novas roupas e uma carruagem transformou em princesa o que antes era uma plebéia.

Ele não encontrou uma fada, mas alguém que acreditava nele, que lhe deu um novo visual sem tirar seu charme, renovou sua tecnologia sem descaracteriza-lo, lhe deu nova força para continuar sua trajetória.

Renovado, continuará seu caminho vertical e com destino certo, mesmo que estes sejam muitos e mudem a cada instante...