Quando eu não te tinha

Pode ser que isso já seja bem conhecido, que tenha sido inclusive tema de mesa redonda e tese de doutorado – elas estão cada vez mais específicas. E provavelmente também já há uma justificativa bastante plausível para absolver o poeta. Mas pra mim, que sou dado a certos gracejos e não costumo ler poesia, foi uma descoberta bastante divertida. Isso porque há quase cem anos Fernando Pessoa, através de Alberto Caiero, escreveu um bonito verso cacofônico, que abre um poema e, na falta de título, tornou-se inclusive o nome da obra: “Quando eu não te tinha”.

É claro que o verso não foi escrito por qualquer pessoa, mas pelo Fernando. Vai lá o Henrique Fendrich escrever um verso assim para ver no que dá. Talvez em Portugal, onde se fala uma língua bastante parecida com o português, essa cacofonia não exista. Mas isso me fez lembrar de outro verso, esse do Augusto Frederico Schmidt. O poeta declamava para Fernando Sabino e algum outro dos mineiros quando chegou no verso “Se chegasse à tua casa o time do Olaria”. Os que ouviam soltaram uma gargalhada, imaginando onze sujeitos suados chegando em casa, abrindo a geladeira, se esparramando no sofá. E o poeta, ofendido, teve que explicar que havia dito “Se chegasse à tua casa, o tímido olharia”.

Essa semana circulou pelo noticiário outro verso, praticamente um trava-línguas: “O mandato do deputado Natan Donadon”. Se tirarmos a palavra deputado, vira inclusive um decassílabo. Que é uma palavra feia, mas de bonito significado. Ultimamente tenho implicado com algumas palavras. Reivindicar, por exemplo. Nunca acerto de primeira, e juro que acabei de errar. É difícil reivindicar alguma coisa. Há muitas palavras feias e sem a menor espontaneidade. Espontaneidade, por exemplo. Não é natural falar isso. Tireoide é feio pra burro também. Cacofonia. Falar em cacofonia é quase tão feio quanto cometê-la. Eu poderia citar muitas palavras e a todas atribuiria uma razão para serem feias. Uma por cada.

milkau
Enviado por milkau em 31/08/2013
Reeditado em 31/08/2013
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