Dia de Esbornia.
Por Carlos Sena


 
Estou na minha terra adotada. Adotada e adorada, porque a amada fica lá, bem distante. Onde o vento não faz curva, nem onde o cão perdeu as botas. Estou na minha terra. Terra no sentido simbólico, algo como “terra do afeto, do amor, do sentimento de pertencer”... Lá fora o dia está meio lusco-fusco. Nem chove nem faz sol. Sequer há casamento da raposa, como nos tempos de infância. Por falar nisso, em Bom Conselho, a gente quando via a chuva caindo em pleno sol, dizia ser casamento da raposa, ou então, a gente dizia que quem quisesse mudar de sexo era só passar por debaixo do arco-íris. O arco-íris, portanto, era comum aos dois fatos: quando a raposa casava, ele estava ali, no contracanto da cerimônia. Quando alguém quisesse mudar de sexo... Aí eu não me lembro. Porque talvez haja mudança de sexo só por dentro, como é o caso dos que preferem viver no armário. Ou não? Questão complexa para um sábado onde o melhor é falar asneiras, jogar conversa fora, porque sempre que a gente joga conversa fora, alguém a procura no lixo da solidão consentida das grandes e pequenas cidades.
Estou na minha terra, após exílio consentido de quase um ano em Brasília. Bastilha que aprisiona sonhos e libera alguns desencantos contidos sob a abóbada azul dos traços de Niemayer. Minha terra é assim. Ou assado? Ou comum aos dois? Quem manda é o freguês, quem manda é o que se atreve a ser feliz sem troca e por nada. Ser feliz por nada é, sobremaneira, a ser feliz com legitimidade. Só a felicidade legitimada nunca se acaba, porque ela segue o rumo do encanto que se esconde dentro dos nossos sonhos e ilusões afins.
Hoje me sinto assim. Sobretudo e sobre mim. Algo como se o amanhã não existisse e neste sábado eu precisasse gastar tudo dele para me definir no infinito de mim mesmo. Ou sozinho ou a esmo, mas de mim mesmo. Se acompanhado, bem acompanhado. Afinal, “quem tem saudade não está sozinho, tem o carinho da recordação. Por isso quando estou mais isolado, fico bem acompanhado com você no coração” (Aldemar Paiva, compositor pernambucano dos melhores).


 
OS.: Já estava com saudades de escrever assim. O Mais Médicos me retirou um pouco disso, mas a causa é justa.